Fábio Augusto da Silva Lima
“A televisão me
deixou burro,
muito burro
demais.
Agora todas as
coisas que eu penso
me parecem
iguais.”
Televisão (Titãs)
Na
última semana, estava “navegando” pela programação noturna da TV, quando
resolvi passar pelo programa The noite,
do canal aberto SBT. Não quero aqui entrar em detalhes a respeito do seu
conteúdo, mas algo me chamou atenção. Em um determinado momento o apresentador Danilo
Gentili, em um suposto gesto de cidadania, quis divulgar a campanha de
vacinação contra a gripe em curso, promovida pelo Ministério da Saúde.
Até
aí tudo bem, diante de tanta besteira, uma prestação de serviço à população. O
problema veio depois, quando Danilo Gentili, após a divulgação da campanha,
solta a seguinte perola: “Eu fiz isso de
graça viu, não cobrei nenhum cachê.”.
Todos da plateia aplaudiram e enalteceram sua atitude.
Essa
postura me deixou indignado e me fez pensar a respeito do papel que a televisão
vem exercendo, principalmente a TV aberta, para a formação educacional e
cultural da população brasileira. Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu no
livro Sobre a televisão de 1997, a programação televisiva, em busca de audiência,
expõe a um grande perigo não só as diferentes esferas de produção cultural da
sociedade como também a política e o exercício da democracia.
Talvez muitos não saibam ou ignoram, inclusive
o próprio Danilo Gentili, mas as TV´s abertas foram concedidas a diferentes
grupos de comunicação regionais por meio de concessões públicas do Estado
brasileiro. Isso supõe que sua programação deveria servir ao interesse do
público, por isso, o apresentador não fez mais do que obrigação, na verdade,
seu gesto deveria ser regra dentro da programação da TV, mas infelizmente, não
é isso que temos visto ultimamente.
Na verdade, pode-se constatar a partir desse
exemplo, o atual estágio da TV brasileira, reduzida a um jornalismo
influenciado pela política economicista, de exaltação ao Mercado, reducionista,
sensacionalista e manipulador de informações, com formadores de opinião
caricaturais, tendenciosos e reacionários; novelas comerciais, promotoras de valores
distorcidos, que banalizam a violência, com forte apelo sexual e que disseminam
um estilo de vida fútil e consumista, reforçando as diferenças sociais e de
classe da população; programas de entretenimento e humor sem nenhuma graça, bestializantes,
enfim, uma máquina a serviço dos interesses da ordem dominante vigente.
De
fato, os canais de TV se tornaram verdadeiras empresas que tem como principal
objetivo a audiência e o lucro. Um exemplo disso é que a maioria são
sustentadas por grandes corporações como: bancos, indústria automobilística e
de alimentos, agroindústria e até mesmo pelo próprio Estado. Isso se dá por meio
de diferentes meios, desde verbas públicas, propagandas, anúncios de publicidade,
etc. ·.
Nesse
sentido, outro caso que me chamou atenção foi à entrevista concedida pela
jornalista Ticiane Villas-Boas, do Jornal da Band, para revista Veja, no qual
ostentava seu estilo de vida rico, cheio de privilégios e regalias, ao estilo
“mulheres ricas”. Apesar da entrevista não ter agradado a emissora, seu colega
de programa e até mesmo seu marido, ela continuará no Jornalístico que
apresenta, porque a jornalista é casada com Joesley Batista, que é um dos
maiores empresários do país, dono de marcas como a Friboi, 2º maior indústria
processadora de carne do mundo. Evidentemente, sua presença na bancada
representa muitos patrocínios para TV Bandeirantes.
Outro
exemplo recente foi o da campanha “Somos todos macacos” promovida pela agência
de publicidade Loducca, que
representa o jogador Neymar, após um torcedor jogar uma banana na
direção do jogador Daniel Alves, durante o jogo do seu time, Barcelona, contra
o Vilarreal, pelo Campeonato Espanhol. A partir daí, o episódio, que foi algo
grave e que mostra o preconceito e intolerância ainda presentes na sociedade, e
que, portanto, poderia proporcionar uma discussão aprofundada a respeito do
tema, se tornou um grande espetáculo midiático.
Muitos
“artistas” com a intenção de aparecer, foram na onda, num verdadeiro evento
narcisistico, posando em fotos com bananas, manipulados, capturados e repetindo
o discurso construído pelo marketing, pela hipocrisia e oportunismo canalha
daqueles que lucraram com a situação.
Por
outro lado, o movimento negro se posicionou desde o início contra esse discurso,
manifestando sua indignação a respeito da campanha e propondo um debate sério e critico não só desse caso, mas também
acerca de todo histórico de racismo e discriminação contra os negros no país.
Por
fim, aproxima-se a Copa do Mundo no Brasil, e com ela, toda a lavagem cerebral
exercida pela TV. Basta acompanhar a programação e observar a campanha em torno
da seleção brasileira de futebol, que por sinal, nunca teve tantos patrocínios e
publicidade como tem agora, com a promoção de um nacionalismo ufanista e
idiota, mascarando todos os problemas sociais, estruturais e políticos que o
país vive. Nada diferente do que foi no período da ditadura militar, quando a
seleção canarinho foi usada como bandeira para promover o Brasil enquanto um
país unido, desenvolvido e sem conflitos, ocultando assim a repressão exercida
pelo regime contra a população.
Desse
modo, dentro desse contexto de alienação, o sujeito acaba sendo destituído de
si, para viver uma suposta “consciência coletiva”, entretanto, de forma
estranha, alheio a identidade do seu próprio eu. Por sua vez, a TV, segundo Bourdieu “que poderia ter se tornado um extraordinário
instrumento de democracia direta (p.
13)”,acaba
reproduzindo o modelo capitalista privado e dominante do mundo globalizado.
Agora fica a pergunta? É possível resgatá-la da condição em que se encontra? Ou teremos que continuar tê-la como
instrumento de “opressão simbólica” e
aceitar o lema que diz que “A revolução não será televisionada”?
Referência:
BOURDIEU,
Pierre. Sobre a televisão. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1997.