quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

A normalização da Pandemia e a ideologização do Covid-19.

Charge 1 - Site Hoje em Dia

Cléder Aparecido Santa-Fé

A Pandemia do Novo Coronavírus (Covid-19) já completou um ano em escala global. Os primeiros casos, ocorridos em Wuhan na China, datam de 1º de dezembro de 2019.

Toda a inteligência científica está engajada no combate à crise sanitária instalada e as vacinas entraram em fase final de desenvolvimento.  Em 2021, provavelmente, teremos uma forma mais eficiente de imunização coletiva contra essa moléstia.

Durante 2020, as medidas de isolamento social, uso de máscara e de higienização constante das mãos, com sabão e/ou álcool em gel, foram engendradas nas grandes mídias e pelos governos em todo mundo.

Ação Pública desarticulada e ideologização do vírus.

Charge 2 - Site Dom Total

No caso brasileiro, todavia, não ocorreu uma ação integrada entre as esferas governamentais (Federação, Estados e Municípios) e sim o estabelecimento de uma grande disputa política, com a ideologização perversa da Covid-19.

O atual governo, que se diz combatente das diversas formas de ideologizações, deu início a uma narrativa de banalização dos efeitos e mortalidade da doença. 

Ao ideologizar o vírus e trazer a crise sanitária para uma disputa política, o governo federal promoveu um boicote massivo a todas as medidas preventivas de transmissão da doença (isolamento social, uso de máscara em espaços públicos e privados, etc.).

Estamos no último mês de 2020 e já foram registrados no Brasil, até a data desse artigo, aproximadamente 6,6 milhões de infectados e 178 mil mortos. O vírus ainda continua em circulação: até hoje, 09 de dezembro, tivemos uma média semanal de aproximadamente 42 mil novos casos da doença e de 600 novas fatalidades.

Normalidade Forjada

Charge 3 - Site ND+

Em contrapartida, a vida cotidiana aparenta ter voltado à normalidade. Os setores produtivos e de serviços estão em pleno funcionamento.

Os setores do turismo e do entretenimento também estão voltando, aos poucos, às suas atividades. A grande mídia mudou a sua agenda informativa: a hashtag #fiqueemcasa foi substituída pelas hashtags #flexibilizacao, #voltaasaulaspresenciais, e outras correlatas.

A população relaxou nos protocolos de segurança e voltou a circular nas ruas, promover encontros com amigos e familiares, etc.

Verifica-se, no país, a possibilidade de uma segunda onda de casos da doença ainda nesse ano.  Em suma, a narrativa ideológica do governo federal sagrou-se vencedora a médio prazo. O que explica tal fenômeno?

Polarização e Tribalismo político

Charge 4 - Site Zero Hora 

        É claro que não há uma resposta única, porém há alguns diagnósticos presentes no embate político das últimas décadas. A descrença na ciência e na educação como instituições basilares do conhecimento é um, dos principais fatores, que nos auxilia a compreender esse fenômeno.

Outra questão fundamental advém da ausência de uma cultura política qualificada no cotidiano social brasileiro, focada na construção de políticas públicas de longo alcance junto à sociedade civil e outros atores importantes do regime democrático.

A “cidadania” tupiniquim é medida pelo termômetro das redes sociais. Vivenciamos uma disputa tribal e infecunda nesses espaços, oriunda de uma polarização que não enxerga além do lulopetismo e do bolsonarismo.

Essa visão restrita e maniqueísta da coisa pública acaba por favorecer ainda mais uma cultura política pautada na figura do líder carismático, emprestando um conceito sociológico de  Max Weber para melhor exemplificar a minha perspectiva.

Desta forma, a racionalidade ausenta-se do debate e acaba por prevalecer a barbárie das paixões político-partidárias.

Portanto, a constituição de uma nova cultura política pautada no ouvir e na construção coletiva do dialogo urge.

Deixarei uma composição de minha autoria e meu irmão, Coca Nietzschiano, sobre esse tema, estabelecendo-se como uma crônica social do Brasil em 2020. Espero que gostem.


Demência (Cléder-X/ Coca Santa Fé)

A demência do discurso
Desconsidera salvar vidas.
A demência das chamas
Carboniza o verde, os animais.

A demência opressora que
Se maquia de livre arbítrio.
A demência das opiniões que
Se prolifera em metadados.

A demência viral
Clamando por normalidade.
A demência é negligência,
Enojando o consenso,
Burlando as regras.

A demência usurpa o debate,
Transmuta a mentira em verdade.
A demência conserva em si
A sua própria incoerência.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

O que diz a Constituição Federal de 1988 sobre o dever do Estado e a Educação Infantil?

Foto 1: Ideia Pedagógica

Giovanna Maria Recco Piccirilli

    A educação infantil é reconhecida como a primeira etapa da educação básica. Quando a relacionamos ao neoliberalismo, observamos que tal concepção de Estado provém de uma ação descentralizadora, de transferência das ações de políticas sociais para a sociedade e pressupõe que a privatização dos serviços públicos seja a melhor alternativa. Ora, a escola é tão importante quanto o capital. É preciso lutar pela e para a escola pública, não para a escola capitalista e burguesa. Vemos alterações em leis e na Constituição, mas pergunto se o ordenamento jurídico estabelece suas funções e obrigações tão bem quanto estão descritas no papel. A CF/88 em sua primeira versão, excluía a educação às crianças menores de quatro anos, embora conste na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 4º[1], inciso II, atendimento gratuito em creche e pré-escola para crianças de até cinco anos de idade.


    A modificação da criança abstrata para a criança concreta, ou seja, a criança da classe trabalhadora, nos recorda à pesquisa iconográfica sobre seu papel social abordado por Philippe Ariès na obra História Social da Criança e da Família (1978), que analisa o pequeno à imagem de um homem em miniatura (anões) e aborda que o papel de crianças negras pequenas, era o de trabalhar em casarões como brinquedos das crianças ricas, e as mais velhas, aprendiam o trabalho braçal (meninos eram treinados para a lavoura, e meninas para trabalhos do lar).


    Há recortes históricos que analisam toda linha do tempo que o pequeno jovem sofreu na sociedade. Observamos, consideravelmente, que ele passou a conceber seu papel social há pouco tempo, assim como as leis que garantem segurança e direitos a elas. 


  Esta reflexão nos remonta a um questionamento: porque existem tantas leis que asseguram e prometem vigorar tais premissas, tantas obrigações do Estado, mas pouca efetividade na execução das tarefas?

     A Constituição Federal de 1988, afirma no art. 208 que:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I -  educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;

II -  progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III -  atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV -  educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;

V -  acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI -  oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII -  atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

     Assim como em seus parágrafos:

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular,

importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

 

     A responsabilidade por garantir e oferecer educação, que é um direito de todos, é compartilhada pelo Estado, pela família e por toda a sociedade. Cury (2008) afirma que a LDB, além de introduzir o conceito de “educação básica”, surge para assegurar ainda mais o acesso a esse direito – a educação escolar é pública, de caráter próprio e cidadã, ou seja, dever do Estado. Essa responsabilidade está determinada no artigo 205[2] da CF, acrescentando a sociedade como corresponsável por assegurar a garantia do que está estabelecido supracitado, no dever de se organizar de forma a ministrar o ensino com base nos princípios de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.

 

Referências

ARIÈS, P. História social da infância e da família. Tradução: D. Flaksman. Rio de Janeiro: LCT, 1978.

BRASIL. Constituição da República Federal (1988). Acesso em 30 nov. 2020. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.

CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação básica como direito. Cadernos de Pesquisa, v. 38, n. 134, p. 293-3030, maio/ago. 2008. Acesso em 30 nov. 2020. Disponível em: < https://www.scielo.br/pdf/cp/v38n134/a0238134.pdf> .

Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (1996, 23 de dezembro). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da Uniãoseção 1. Acesso em 30 de nov. de 2020. Disponível em: < http://www.cp2.g12.br/alunos/leis/lei_diretrizes_bases.htm>.

SILVA, Luiz Henrique Gomes da; STRANG, Bernadete de Lourdes Streisky. A obrigatoriedade da educação infantil e a escassez de vagas em creches e estabelecimentos similares. Pro-Posições, v.31, 2020. Acesso em 19 de nov. de 2020. Disponível em: < https://www.scielo.br/pdf/pp/v31/1980-6248-pp-31-e20160069.pdf>.



[1] Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio (BRASIL, 1996).

[2] Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.