Foto 1: Sara Próton – Jus Brasil
Vinício Carrilho Martinez
Nosso desafio será adequar a linguagem, além de abraçar um tema espinhoso, por si: o aborto legal patrocinado às meninas e mulheres, engravidadas, em ato de estupro. Não é fácil, ainda mais pelo estágio animalesco que vivemos na cultura nacional. Enfim, de forma resumida, meu argumento garante que “ninguém é obrigado a ser estuprado(a)”. A natureza jurídica desse argumento consta de previsão no Código Penal:
“Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)Aborto necessárioI - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;Aborto no caso de gravidez resultante de estuproII - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.
Por decisão do Supremo Tribunal Federal, casos de anencefalia também receberiam autorização para a prática de aborto legal (ADPF 54). Meu argumento, sumariamente, resume-se a um pressuposto do Processo Civilizatório – no caso, o não-retrocesso: não é razoável obrigar a prosseguir a gravidez em nenhum desses casos ante a autonomia da vontade, do direito ao corpo e da dignidade e saúde da mulher. Principalmente sob violência extrema contra indefeso: crianças e jovens. O Direito penal não pode ser a “prima ratio” que defende o homem violador, violento e estuprador. A mulher não pode ser punida duas vezes, se é que temos algum raciocínio lógico a usufruir: punida no estupro e, depois, pelo aborto de um feto que resultou desse estupro. Obviamente, sendo punida pelo aborto que resulta de estupro, a mulher seria punida por algo que não escolheu.
Vejamos, ainda, que são centenas ou milhares de crianças e mulheres estupradas e que engravidam em razão desse gravíssimo crime. Pois bem, se a criança estuprada (a exemplo daquele caso do Espírito Santo) é obrigada a ter o bebê, por óbvio, ocorre a legitimação do estupro.
Bem como a criança é condenada a manter, em si, o resultado de um crime grave contra seu corpo, sua psiquê, anulando-se sua própria vida. Desse modo, com o estupro legitimado, a criança receberia a condenação pelo crime de outrem: sobretudo, agravado, porque se entende que o seu algoz é alguém que deveria protegê-la, na condição de parentes, pais e tios, primos e irmãos.
A se legitimar este “duplo crime” – estupro e imposição da gravidez resultante desse estupro, sob a ameaça de se condenar a “mãe-criança” por aborto –, logo, alguém haveria de defender um tal “direito de estuprar ... quem quer que fosse”.
Além de se impor “outra” obrigação à vítima de estupro: “a obrigação de ser estuprado(a)”. A todo Direito corresponde uma obrigação: juridicamente, a obrigação de fazer do Estado e da família, proteger mulheres, jovens e crianças, acabaria (em retrocesso) convertendo-se no tal direito ao estupro: em que a violação de um direito fundamental, essencial, como é a vida de mulheres, jovens e crianças, seria apregoado como direito do macho violento e violentador.
Com certeza, neste caso, abandonaríamos todo e qualquer raciocínio jurídico civilizado, com base no Direito Ocidental que vem se instituindo desde o Renascimento. O resultado mais óbvio, desse retrocesso nos padrões civilizatórios, aponta que em pouco tempo teríamos uma sociedade de canibais: walking dead.
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