quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Resenha do Fragmento "Tempo e Poder" do Livro Tempo: Entre o efêmero e o Eterno, a Vida de Valdermir Pires.

Foto 1 - Site da obra Tempo: Entre o efêmero e o Eterno, a Vida. - Valdermir Pires

Cléder Aparecido Santa-Fé
casantafe83@gmail.com

Ao ler o fragmento “Tempo e Poder” (acesse o texto completo -->> aqui), de autoria do Professor Valdemir Pires, acolhi definitivamente a ideia de tempo como um fenômeno infindo, transitório, independente e soberano.

Ao narrar, neste instigante fragmento, as ascensões e quedas de inúmeros regimes políticos, de sistemas democráticos à tirânicos, Pires constata a fragilidade humana ao engendrar e acreditar na perpetuação do status quo.

O tempo evidencia toda a nossa fragilidade (de opressores e de oprimidos), como muito bem pontuado no fragmento, uma vez que “todo governo é passageiro, por maior que seja a prorrogação que consiga obter, por meio da conquista da simpatia dos governados ou por meio da supressão da possibilidade destes de a ele se oporem” (Pires, 2020).

Neste sentido, toda tentativa de totalitarismo, mesmo que aparentemente eterno em nossa percepção temporal, haverá de ruir à soberania de Cronos.

Ao observar, numa perspectiva de crônica, a atual situação política mundial e brasileira, escrevi a canção “Nos Dias de Hoje” (letra e link disponíveis após esse texto), que relata, como forma de denúncia, os descalabros engendrados por grupos totalitários na busca da perpetuação do seu capital político, assim como silenciar toda manifestação legítima que busque superar a dicotomia polarizada, imposta nas atuais narrativas ideológicas em voga.

Porém, após a leitura do fragmento, a esperança, combinada com boas doses de reencantamentos, ocupam agora as minhas reflexões, uma vez que, como já muito bem pontuado por Chico Buarque, “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”.

Uma boa leitura a todos!


NOS DIAS DE HOJE (CLÉDER-X)

O nosso senso regride a cada minuto perdido, 

Em palavras vazias,
Informações e mentiras.

A falta de consenso reprime
A ciência e a cultura;
O império da ignorância
Vociferado por boçais.

O silêncio da razão:
A apoteose do entretenimento...
Um vazio totalitário
Que ameaça o livre pensamento.

A censura do contraditório,
A negação da liberdade...
Nos dias de hoje
É o decrépito e o caos.

sábado, 19 de setembro de 2020

E a formação inicial de professores vai bem?

Foto 1 - A Voz da Serra

Ana Paula Silveira

2020, o ano que ficará marcado na vida de todos, como sendo um ano de novos desafios e de extremo negacionismo frente ao cenário pandêmico, que por sua vez intensificou o uso das mídias digitais ao desenvolvimento cognitivo desde a educação infantil a pós-graduação. Porém o uso ininterrupto das mídias digitais na educação evidenciou as lacunas sociais. 

Para muitos indivíduos o acesso à educação, enquanto direito fundamental, não está ocorrendo de modo qualitativo, usufruir desse direito, por vários motivos, invalida o que fora cunhado na Constituição de 1988, pois as ausências de computadores, celulares, internet de qualidades entre outros motivos não permite que haja a garantia da educação igualitária e de qualidade a todos.

Temos que reconhecer que os cursos on-line, seminários, congressos estão proporcionando encontros memoráveis entre educadores de escolas públicas e pesquisadores das grandes universidades brasileiras, mas ressalto que: será que todos estão dispostos a ouvir, interiorizar e agir, de modo crítico, a partir das discussões, ressaltadas nessas aulas, palestras, lives e etc.? Será que os professores da educação básica, tem a possibilidade de modificar suas práticas docentes e transformar a educação? Será que os professores da Educação Básica são apenas treinados para reproduzir uma educação bancária? Como estão nossos cursos de licenciaturas?

Vou mais além, será que os professores não estão sendo usados por instancias maiores, para atestar a inabilidade da educação pública de qualidade, para então assistirmos a privatização da educação em todas as modalidades e deixar a educação, de ser um direito fundamental.

Na obra Pedagogia do Oprimido, escrita por Paulo Freire, na década de 1980, apresentou a pedagogia da práxis, que é a possibilidade de professores e estudantes refletirem e agirem criticamente. Nesse sentido os professores foram convidados a desenvolver práticas docentes que valorizem as experiências, os conhecimentos prévios dos estudantes, para romper com os ciclos de opressão que está empregando na nossa educação.

O que precisamos para romper com os ciclos de opressão? Precisamos de cursos de licenciaturas de excelência, cursos que oferecerão uma formação crítica, que ensinem aos futuros professores olhar e reconhecer-se no Outro. 

Além disso nesses cursos ditos aqui de excelência, deve-se ensinar que todos fazemos parte de uma sociedade, pois nós humanos somos seres com suas especificidades, porém fazemos partes de uma coletividade, que precisa unir-se para reconhecer suas liberdades e lutarmos pela permanência dos nossos direitos fundamentais que com o passar dos anos estão sendo ceifados.

Então a liberdade frente ao ciclo de opressão aconteceria em comunhão como disse Paulo Freire: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”, para isso todos os profissionais da educação, familiares e sociedade civil precisam estar engajados na luta pela liberdade.  

Os cursos de licenciaturas precisam mostrar aos futuros professores que o ciclo de opressão precisa ser rompido e isso não acontecerá de modo isolado, os futuros professores e profissionais da educação precisam compreender que a transformação acontecerá com uma pedagogia da práxis, bem desenvolvida, mas para isso esses profissionais precisam do apoio social, infelizmente aos professores recaem a accountability, são cobrados, precisam fornecer os melhores desempenhos pedagógicos. 

Os professores precisam ser reconhecidos como heróis em meio ao caos, estão com nós a possibilidade de transformação quando oferecemos aos estudantes ensinamentos críticos, os professores precisam ser valorizados por todos. Somente com a pedagogia da práxis nos cursos de licenciatura, somente com a pedagogia da práxis das escolas públicas, somente com a valorização dos profissionais da educação, somente com a comunhão frente a luta de rompimento do ciclo de opressão, teremos o direito fundamental à educação de qualidade a todos os indivíduos. 

Pode até parecer utópico frente ao nosso cenário atual, mas se os professores apenas reproduzir esse sistema opressor e virar a página da apostila para continuar as atividades, sem complexidades, sem criticidade, sem inferências, vamos terminar essa apostila e encerrar a nossa história.

Abusadores do Direito e da vida humana.

Foto 1: Sara Próton – Jus Brasil

Vinício Carrilho Martinez 

Nosso desafio será adequar a linguagem, além de abraçar um tema espinhoso, por si: o aborto legal patrocinado às meninas e mulheres, engravidadas, em ato de estupro. Não é fácil, ainda mais pelo estágio animalesco que vivemos na cultura nacional. Enfim, de forma resumida, meu argumento garante que “ninguém é obrigado a ser estuprado(a)”. A natureza jurídica desse argumento consta de previsão no Código Penal: 

“Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54) 
Aborto necessário 
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; 
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro 
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. 

Por decisão do Supremo Tribunal Federal, casos de anencefalia também receberiam autorização para a prática de aborto legal (ADPF 54). Meu argumento, sumariamente, resume-se a um pressuposto do Processo Civilizatório – no caso, o não-retrocesso: não é razoável obrigar a prosseguir a gravidez em nenhum desses casos ante a autonomia da vontade, do direito ao corpo e da dignidade e saúde da mulher. Principalmente sob violência extrema contra indefeso: crianças e jovens. O Direito penal não pode ser a “prima ratio” que defende o homem violador, violento e estuprador. A mulher não pode ser punida duas vezes, se é que temos algum raciocínio lógico a usufruir: punida no estupro e, depois, pelo aborto de um feto que resultou desse estupro. Obviamente, sendo punida pelo aborto que resulta de estupro, a mulher seria punida por algo que não escolheu. 

Vejamos, ainda, que são centenas ou milhares de crianças e mulheres estupradas e que engravidam em razão desse gravíssimo crime. Pois bem, se a criança estuprada (a exemplo daquele caso do Espírito Santo) é obrigada a ter o bebê, por óbvio, ocorre a legitimação do estupro. 

Bem como a criança é condenada a manter, em si, o resultado de um crime grave contra seu corpo, sua psiquê, anulando-se sua própria vida. Desse modo, com o estupro legitimado, a criança receberia a condenação pelo crime de outrem: sobretudo, agravado, porque se entende que o seu algoz é alguém que deveria protegê-la, na condição de parentes, pais e tios, primos e irmãos. 

A se legitimar este “duplo crime” – estupro e imposição da gravidez resultante desse estupro, sob a ameaça de se condenar a “mãe-criança” por aborto –, logo, alguém haveria de defender um tal “direito de estuprar ... quem quer que fosse”. 

Além de se impor “outra” obrigação à vítima de estupro: “a obrigação de ser estuprado(a)”. A todo Direito corresponde uma obrigação: juridicamente, a obrigação de fazer do Estado e da família, proteger mulheres, jovens e crianças, acabaria (em retrocesso) convertendo-se no tal direito ao estupro: em que a violação de um direito fundamental, essencial, como é a vida de mulheres, jovens e crianças, seria apregoado como direito do macho violento e violentador.

Com certeza, neste caso, abandonaríamos todo e qualquer raciocínio jurídico civilizado, com base no Direito Ocidental que vem se instituindo desde o Renascimento. O resultado mais óbvio, desse retrocesso nos padrões civilizatórios, aponta que em pouco tempo teríamos uma sociedade de canibais: walking dead.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Educação Antifascista

Foto 1 – Pragmatismo Político

Giovanna Maria Recco Piccirilli

Partindo da concepção de que nossa história foi construída dentro de características autoritaristas e inerente à autocracia. Uma história autoritária com hiatos de democracia que, infelizmente foi constituída em cima do fascismo, racismo e necrofascismo. O fascismo é um fenômeno inerente ao capitalismo e não deve ser confundido com o autoritarismo – um regime de força que sempre existiu em diferentes sociedades. Na obra “O que é fascismo? E outros ensaios”, Orwell fala de política, sociedade, hipocrisia, cultura, literatura, filmes, moral e procura teorizar sobre alguns rumos que o mundo tomaria após a II Guerra Mundial. Apesar do nome da obra, o livro não trata exclusivamente, ou tem um foco maior, nos movimentos fascistas da Europa do século XX. Os textos escolhidos, em sua maior parte, falam mais do fenômeno do totalitarismo, do comunismo, dos movimentos revolucionários e seus males, do que tem um foco direto no fascismo. De fato, apesar do título, não existe um único artigo presente na obra que defina o que é o fascismo. O autor se preocupa, muito mais, com o problema do totalitarismo e de como a ideologia política pode cegar ou nublar a moralidade, sanidade e a visão de mundo de um Homem.

Ao longo do século XX junto à crise do capitalismo (1929), surge este ato destrutivo que foi acionado durante a crise e à subversão da ordem capitalista; não é simplesmente um governo autoritário, mas sim um estado de terror do capital que aparece quando há ameaça de subversão, ou seja, revolucionária. O impacto da crise em meados de 1920 a 1930 disgregou o sistema capitalista e nos trouxe a necessidade de instalar regimes de terror como o fascismo. Foi nesta conjuntura que se deu a 1ª Revolução Socialista bem sucedida, denominada esta Revolução Russa de 1917 conseguindo manter o poder depois de construir um estado socialista. 

Vivemos hoje um descrédito à democracia e à liberdade. Este cesarismo é caracterizado pelo regime de controle de massas – se tiver um líder para pensar a vida em sociedade e a nação, seria melhor, expondo assim que a democracia não é válida. Ele não nasce com a burguesia, mas sim com as classes médias que, volatizadas, caem o padrão de vida e procuram um padrão de força para se reerguer, com a necessidade contra revolucionária. Existe outra crítica, mas dessa vez sobre um filme antifascista. O Grande Ditador, estrelando Charles Chaplin, é analisado em suas virtudes e defeitos, com acentuação no fato de que a trama da película se trata, no fim, do contraste entre um homem comum com o mundo dos professores, dos intelectuais – estes que podem, com muita facilidade, defender qualquer regime totalitário: algo comum em qualquer faculdade de humanas ontem e hoje. Para Orwell, o filme pode mostrar a cisão do mundo político e fascista para com a população mais humilde, que sabe o que é certo e errado.

Será que o fascismo se manifesta na periferia do capitalismo da mesma forma que nos países centrais? Nestes países, vemos peculiaridades de ultranacionalismo. A ditadura brasileira foi fascista porque seguia o regime de alavancar o terror do capital para se evitar uma transformação antirrevolucionária. Historicamente, a escola tem um legado vindo desde a Revolução Francesa – do estado nacional burguês e a valorização das ideias iluministas. Na Alemanha Nazista e na Itália Nazista as crianças eram entregues desde cedo ao Estado, no sentido da construção de uma consciência fascista ainda jovem. 

A escola é um espaço de libertação e produto de expansão dos direitos, deve ser entendida como possibilidade concreta de que essa expansão se conclui a partir da democratização e melhoria da instituição. Deve ser cuidada e defendida. Não é casual que o fascismo histórico seja direcionado seu ponto alvo à escola. Ela para o fascista é doutrinação e acusada de doutrinar para o lado errado, o que Hitler fez, o que Mussolini fez e o que outros fascistas querem. Além de ser um espaço de socializar conhecimentos e levá-los ao questionamento (ser crítico) este é o grande problema para a mente fascista. 

A Escola Sem Partido não era a doutrinação, mas sim porque a escola formava pessoas questionadoras. O espaço escolar é lugar de disputa. Paulo Freire apontou uma crítica de emancipação a partir do ato político da práxis revolucionária. A Política Educacional no período do fascismo foi constituída por vários outros órgãos estatais a respeito do conteúdo das aulas e dos livros didáticos aceitáveis para uso em escolas primárias e secundárias do país como o Ministro da Instrução Pública do Reino da Itália entre 1922 e 1925, Giovanni Gentile e o Ministério da Educação liderado por Bernhard Rust, ambos de controle para com o professor. Os governos temem aos professores porque têm medo de que façam de seus alunos seres críticos e uma pessoa que pensa, pode prejudicar. 

Entretanto, ressalvo que a escola não cabe na gramática do fascismo e do nazismo, e o professor deve de certa forma ser encurralado, baseando-se na recuperação onde a dimensão do conhecimento desapareça. As grandes vítimas do fascismo são aquelas que têm conhecimento, portanto os professores são os primeiros a serem atacados. Na Alemanha, os educadores foram exilados e mandados para campos de concentração e essa luta antifascista é a luta pela liberdade, contra o machismo, sexismo, capital e toda autoridade.

Nenhum governo combate o fascismo até o final porque quando se sentir coagido, recorrerá ao fascismo ou a meios fascistas. Não há uma onda fascista que busca se instalar no Brasil e no mundo, em grande medida, essa ameaça existe e já está instalada às bênçãos da democracia e da livre competição. Chegamos ao nível de não distinção de desejos de morte e aos dispositivos de extermínio.