sábado, 10 de maio de 2014

“Gentilezas” da TV



 Fábio Augusto da Silva Lima

“A televisão me deixou burro,
muito burro demais.
Agora todas as coisas que eu penso
me parecem iguais.”
Televisão (Titãs)

Na última semana, estava “navegando” pela programação noturna da TV, quando resolvi passar pelo programa The noite, do canal aberto SBT. Não quero aqui entrar em detalhes a respeito do seu conteúdo, mas algo me chamou atenção. Em um determinado momento o apresentador Danilo Gentili, em um suposto gesto de cidadania, quis divulgar a campanha de vacinação contra a gripe em curso, promovida pelo Ministério da Saúde.
Até aí tudo bem, diante de tanta besteira, uma prestação de serviço à população. O problema veio depois, quando Danilo Gentili, após a divulgação da campanha, solta a seguinte perola: “Eu fiz isso de graça viu, não cobrei nenhum cachê.”.  Todos da plateia aplaudiram e enalteceram sua atitude.
Essa postura me deixou indignado e me fez pensar a respeito do papel que a televisão vem exercendo, principalmente a TV aberta, para a formação educacional e cultural da população brasileira. Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu no livro Sobre a televisão de 1997, a programação televisiva, em busca de audiência, expõe a um grande perigo não só as diferentes esferas de produção cultural da sociedade como também a política e o exercício da democracia.
 Talvez muitos não saibam ou ignoram, inclusive o próprio Danilo Gentili, mas as TV´s abertas foram concedidas a diferentes grupos de comunicação regionais por meio de concessões públicas do Estado brasileiro. Isso supõe que sua programação deveria servir ao interesse do público, por isso, o apresentador não fez mais do que obrigação, na verdade, seu gesto deveria ser regra dentro da programação da TV, mas infelizmente, não é isso que temos visto ultimamente.
Na verdade, pode-se constatar a partir desse exemplo, o atual estágio da TV brasileira, reduzida a um jornalismo influenciado pela política economicista, de exaltação ao Mercado, reducionista, sensacionalista e manipulador de informações, com formadores de opinião caricaturais, tendenciosos e reacionários; novelas comerciais, promotoras de valores distorcidos, que banalizam a violência, com forte apelo sexual e que disseminam um estilo de vida fútil e consumista, reforçando as diferenças sociais e de classe da população; programas de entretenimento e humor sem nenhuma graça, bestializantes, enfim, uma máquina a serviço dos interesses da ordem dominante vigente.
De fato, os canais de TV se tornaram verdadeiras empresas que tem como principal objetivo a audiência e o lucro. Um exemplo disso é que a maioria são sustentadas por grandes corporações como: bancos, indústria automobilística e de alimentos, agroindústria e até mesmo pelo próprio Estado. Isso se dá por meio de diferentes meios, desde verbas públicas, propagandas, anúncios de publicidade, etc. ·.
Nesse sentido, outro caso que me chamou atenção foi à entrevista concedida pela jornalista Ticiane Villas-Boas, do Jornal da Band, para revista Veja, no qual ostentava seu estilo de vida rico, cheio de privilégios e regalias, ao estilo “mulheres ricas”. Apesar da entrevista não ter agradado a emissora, seu colega de programa e até mesmo seu marido, ela continuará no Jornalístico que apresenta, porque a jornalista é casada com Joesley Batista, que é um dos maiores empresários do país, dono de marcas como a Friboi, 2º maior indústria processadora de carne do mundo. Evidentemente, sua presença na bancada representa muitos patrocínios para TV Bandeirantes.
Outro exemplo recente foi o da campanha “Somos todos macacos” promovida pela agência de publicidade Loducca, que representa o jogador Neymar, após um torcedor jogar uma banana na direção do jogador Daniel Alves, durante o jogo do seu time, Barcelona, contra o Vilarreal, pelo Campeonato Espanhol. A partir daí, o episódio, que foi algo grave e que mostra o preconceito e intolerância ainda presentes na sociedade, e que, portanto, poderia proporcionar uma discussão aprofundada a respeito do tema, se tornou um grande espetáculo midiático.  
Muitos “artistas” com a intenção de aparecer, foram na onda, num verdadeiro evento narcisistico, posando em fotos com bananas, manipulados, capturados e repetindo o discurso construído pelo marketing, pela hipocrisia e oportunismo canalha daqueles que lucraram com a situação.  
            Por outro lado, o movimento negro se posicionou desde o início contra esse discurso, manifestando sua indignação a respeito da campanha e propondo um debate  sério e critico não só desse caso, mas também acerca de todo histórico de racismo e discriminação contra os negros no país.
Por fim, aproxima-se a Copa do Mundo no Brasil, e com ela, toda a lavagem cerebral exercida pela TV. Basta acompanhar a programação e observar a campanha em torno da seleção brasileira de futebol, que por sinal, nunca teve tantos patrocínios e publicidade como tem agora, com a promoção de um nacionalismo ufanista e idiota, mascarando todos os problemas sociais, estruturais e políticos que o país vive. Nada diferente do que foi no período da ditadura militar, quando a seleção canarinho foi usada como bandeira para promover o Brasil enquanto um país unido, desenvolvido e sem conflitos, ocultando assim a repressão exercida pelo regime contra a população.
Desse modo, dentro desse contexto de alienação, o sujeito acaba sendo destituído de si, para viver uma suposta “consciência coletiva”, entretanto, de forma estranha, alheio a identidade do seu próprio eu.  Por sua vez, a TV, segundo Bourdieu “que poderia ter se tornado um extraordinário instrumento de democracia direta (p. 13)”,acaba reproduzindo o modelo capitalista privado e dominante do mundo globalizado. Agora fica a pergunta? É possível resgatá-la da condição em que se encontra?  Ou teremos que continuar tê-la como instrumento de “opressão simbólica” e aceitar o lema que diz que “A revolução não será televisionada”?

Referência:

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

Um comentário:

  1. Ótimo texto, caro Fábio. Concordo com sua análise e infelizmente não vejo, nem mesmo num horizonte distante, a perspectiva de mudança nesse panorama.

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