segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Polarização, desenvolvimento e o Brasil que queremos


Clóvis Santa Fé Junior*

Penso que é preciso apurar mais a análise, assim poderemos ver direito neste denso nevoeiro ideológico "vermelho" e "azul" que se abateu sobre a sociedade brasileira. Primeiro ponto é compreender que PT e PSDB são de extração social-democrata. A origem de ambos está na Social democracia europeia, que tem como signo não a revolução, mas a ideia de reforma do Estado. Neste sentido, o PSDB tentou fazê-lo através de uma reforma gerencial (Estado Mínimo) e o PT nada propôs, pois manteve todos os liames de um Estado Patrimonialista. 

A prova disso são suas alianças à direita (Sarney, Maluf, Collor, Marco Feliciano, entre outros). Ambos, portanto, não conseguiram reformar o Estado que continua com as velhas elites e oligarquias de sempre. Portanto, até aqui 0 a 0, "e esse jogo não pode ser 1 a 1" como diz a canção.

No que diz respeito a benefícios sociais temos que ter a humildade de reconhecer que o Plano Real (criado durante o governo Itamar Franco e depois conduzido pelo governo FHC) trouxe sim grandes benefícios sociais ao colocar sob controle o "Dragão da Inflação". Eu vivi as décadas de 1970, 1980 e 1990 para saber a diferença estrutural que significou isso. E, detalhe, sendo petista. O problema da inflação era tão grave que pessoas se suicidaram quando Collor confiscou a poupança de toda população dizendo ser uma ação necessária para se controlar a inflação. Também temos de ter humildade e reconhecer que a Bolsa Família também trouxe grandes benefícios sociais, pois incluiu mais de trinta milhões de brasileiros que estavam abaixo da linha da pobreza. 

É um mérito verdadeiro do PT, embora a ideia do programa tenha vindo do governador Marconi Perillo (PSDB), que propôs para o presidente Lula a unificação dos doze programas sociais do PSDB (o Bolsa-Alimentação, PETI [Programa de Erradicação do Trabalho Infantil], o Bolsa-Escola, o Brasil Jovem e o Vale-Gás) num "cadastro único" (que já estava em construção no final da gestão FHC, conforme matéria da Folha na época e que pode ser lida nesse link. Ponto para o Lula, que ouviu Perillo e abandonou o "Fome Zero" - o programa social original do PT. Mas sendo justo, aqui também temos o empate 1 a 1 (Plano Real-PSDB/Bolsa Família-PT), "e esse jogo não pode ser 1 a 1" como continua dizendo a canção.

Quando se trabalha com o conceito de hegemonia em Gramsci, faz-se necessário tomar cuidado e lembrar que Gramsci o estabelece como conceito desde que opere por meio da chamada "grande política", por ser esta a que permite a sociedade civil se organizar de forma progressista. Infelizmente, não foi isso o que vi nos doze anos de PT até agora. Pela tal "governabilidade" - e seguindo o "irmão" PSDB que se aliou ao PFL (depois Democratas) - o Partido dos Trabalhadores se rendeu à "pequena política" (a seara dos interesses mais vis) que manteve o "campo hegemônico" das elites oligárquica e empresarial do país, ou seja, não tornou o povo organizado e protagonista, só o adestrou através dos programas sociais. O que para mim é gravíssimo, pois cria o "imobilismo" que tanto criticávamos e debatíamos em nosso tempo de universidade, no qual nossos professores revelavam a incapacidade (ou seria impedimento?!?) do povo de participar da gestão pública uma vez que todas as transformações sociais de relevo se deram/dão sempre "pelo alto" (de cima para baixo). 

Aí é impossível não se lembrar de Weber, que diz: "em política nem todo o bem faz o bem e nem todo o mal faz o mal, às vezes o bem faz o mal e o mal faz o bem". Neste sentido, a falta de política com "P maiúsculo" em todos esses anos só contribuiu/contribui para a ascensão das "forças conservadoras" mais "reacionárias".

De certa forma é o que estamos assistindo como resultado dessa polarização esquizoide PT X PSDB. Vejo que com relação às demandas populares, cada um do seu jeito, ambos atenderam o que era necessário e possível (?) em seus momentos - Plano Real/Bolsa Família. No quesito aumento de vagas em Universidades Federais, ENEM, aumento de financiamento da educação e o estabelecimento de varias leis inclusivas e afirmativas, como a lei de cotas, a lei Maria da Penha, o Estatuto do Idoso, dentre outros, o ponto é do PT, mas não podemos esquecer que na gestão tucana também houve o início dessas ações inclusivas ao tratar a AIDS como uma questão de Estado e a outorga da Lei do "medicamento genérico" barateando o custo dos remédios principalmente para os aposentados, os que mais se valem das farmácias no "controle" das doenças típicas dessa etapa de suas vidas. E o PT poderia ter feito mais nesse quesito se não fossem as "alianças espúrias" que conduziram Marco Feliciano a se tornar presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara dos Deputados. PIADA PRONTA ESSA!

No que diz respeito à Marina Silva, há aqueles que a "condenam" mas não consigo ver no que ela possa ter manchado a sua história como dizem. Se assim fosse, o que representaria o "aperto de mão" de Lula e Maluf?!? Não consigo entender por que as alianças petistas merecem o direito a uma "relativização" e dos demais "atores políticos" se cobra um "purismo político" até ingênuo no mundo da política onde só tem "cobra criada". 

A meu ver, Marina optou em tentar "minar" essa polarização ao apoiar o Aécio, percebendo o quão daninha a polarização é para o Brasil já que nosso país não é "Vermelho" ou "Azul"; e sim, um país com uma imensa diversidade humana e cultural. Foi uma escolha dela e que foi muito pautada pela "desconstrução" de "baixo nível" que o PT dedicou à candidatura dela. 

A verdade é que cada um jogou com aquilo que tinha em mãos; e o PT sagrou-se vencedor. O problema, no entanto, continua sendo o "projeto de país" que se quer para o futuro, o qual deverá ter condições para "sustentar" garantindo todo esse processo massivo de "inclusão social", não se tornando afinal um arremedo da frase marxista que diz "tudo que é sólido se desmancha no ar".

Esse é o meu ponto central de discussão. O "projeto desenvolvimentista" em curso (e que seria muito similar caso o PSDB estivesse no governo) é o melhor para assegurar tudo isso que foi debatido aqui (e mais um pouco) no médio e no longo prazo? Penso que não! O Mundo está mudando rápido, outros interesses estão gradativamente se tornando hegemônicos e esse "desenvolvimentismo" não dá conta de posicionar o Brasil no novo mundo global e em rede (termo caro a Castells) que já se desenha. 

A Petrobras não deveria ser o foco de nossa atenção, por exemplo. Não deveríamos abdicar jamais de criarmos novas tecnologias e matrizes energéticas mais limpas. Temos a condição de sermos o "celeiro do mundo", mas qual é a política pública (e o investimento federal) para desenvolver as tecnologias desse setor? Estou falando de "tecnologia agrícola" produzida pela EMBRAPA, por exemplo, e que preserve o que resta de nossas florestas. Mas para tal não basta dar acesso democrático às universidades, é preciso fazer isso e manter a qualidade.

É preciso desenvolver uma cidadania de alta intensidade. Dito de outra forma, precisamos reverter os resultados BEM NEGATIVOS do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) para garantir que tenhamos cabeças pensantes para produzir o país que queremos nesse futuro tão próximo. Para tanto, é preciso uma revolução infraestrutural e ética em setores estratégicos importantes como a EDUCAÇÃO (em todas as etapas), CIÊNCIA E TECNOLOGIA, entre outros. Isso só para começarmos a pensar um Brasil mais justo e que garanta conquistas sociais e ambientais. Essa polarização entre PT e PSDB, que divide artificialmente o Brasil, infelizmente eclipsa o principal que é o Brasil do amanhã.

*É mestre em Sociologia pelo programa de Pós-graduação em Sociologia da UNESP/FCLAr e docente da Faculdade de Tecnologia de Sertãozinho (FATEC) nas disciplinas “Sociedade, Tecnologia e Inovação” e “Sociologia das Organizações” do curso de Tecnologia em Gestão Empresarial: Processos Gerenciais.

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