sábado, 22 de agosto de 2015

Os boleros do Rock and Roll


Cléder Aparecido Santa-Fé
E-mail: casantafe83@gmail.com


Nos anos 1960 ocorreu uma revolução no mundo da música. Diversos estilos e movimentos musicais surgiram sincronizados, pautados na miscigenação de ritmos regionais com outros de determinadas classes sociais. A Bossa Nova, no final da década de 1950, incorporou elementos do jazz americano com o samba brasileiro. O Tropicalismo, no final dos anos 1960, confrontou o conservadorismo xenofóbico da passeata contra a guitarra elétrica e criou uma concepção musical antropofágica, incorporando elementos do rock and roll com a música popular brasileira, fermentando diversas experimentações e trazendo para cultura brasileira diversas inovações estéticas. O que os tropicalistas viram de relevante no rock para incorporá-lo ao movimento?

O rock and roll, principalmente nos anos 1960 e 1970, possuiu um caráter muito camaleônico, além do que sua gênese é oriunda da fusão do blues, gênero musical concebido pelos negros americanos, com o country, estilo regional e rural, conhecido pelo slogan "blues feito por brancos americanos". 

Ai você certamente está pensando: O que isso tem a ver com os boleros do rock and roll?

A resposta está no espirito democrático e experimentalista do rock produzido no período supracitado. Nesse breve artigo vou expor minha experiência com três boleros produzidos por grandes nomes do rock mundial, a saber: Beck's Bolero do Jeff Beck Group; Abbandon 's Bolero de Emerson, Lake and Palmer e The Devil Triangle do King Crimson.

As três canções possuem influência da música clássica, mais precisamente do bolero composto por Maurice Ravel no início do século XX. De acordo com o Wikipédia (2015), a estrutura do Bolero de Ravel atende por um ritmo invariável, melodia uniforme e com repetitiva sensação de mudança efetuada pelos efeitos desorquestração e dinâmica, com um crescendo progressivo e uma curta modulação próxima ao fim.

Em 1967 foi lançada ao mundo a música Beck's Bolero, da banda Jeff Beck Group, este sendo o último dos três boleros que eu tive contato. Cronologicamente é o mais antigo das três canções e aparenta possuir maior inovação e pioneirismo na fusão da música clássica com o rock, visto que toda estrutura rítmica é resgatada do bolero clássico. Os elementos do rock and roll estão nos solos virtuosos da guitarra de Beck e na mudança de ritmo no meio da canção para um hard rock furioso. Sem dúvidas uma fantástica fusão das duas distintas linguagens musicais.

Em 1971, a banda de rock progressivo King Crimson, em seu segundo álbum "The Wake of Poseidon", utilizou a estrutura de bolero na canção "The Devil Triangle", porém com a mistura de mellotron e sintetizadores que tiveram por intuito causar o maior pavor ao ouvinte. A intenção da banda, nessa peça, era trazer ao ouvinte as sensações de medo, horror, desespero, angústia com a estrutura repetitiva do bolero causando um crescente desconforto.  Este bolero foi o segundo ao qual tive acesso.

Por fim, em 1972, a banda Emerson, Lake and Palmer lançou, no álbum Trilogy, a música Abbandon's Bolero.  Esta peça possui estrutura rítmica de bolero e harmonização com vários sintetizadores. Esta versão ficou próxima de uma versão eletrônica. Interessante notar que este bolero destoa dos demais por apresentar uma característica mais otimista e próxima dos concertos de música clássica. A versão ao vivo comprova este peculiar fator.


Estas canções sintetizam o quanto o rock and roll, como gênero de música popular, aproximou-se do conceito de "arte". Infelizmente a indústria cultural conseguiu padronizar este gênero, tornando-o lucrativo aos empresários de entretenimento.

Para quem quiser conhecer as três músicas abordadas, estou deixando os links de acesso. Um abraço a todos e um salve a boa música.


Emerson, Lake & Palmer - Abaddon's Bolero (From Works Live) 

https://www.youtube.com/watch?v=guAgk8ZANUc

King Crimson - The Devil's Triangle

https://www.youtube.com/watch?v=BLklkXwEMvM

Beck's Bolero (1967) by the Jeff Beck Group

https://www.youtube.com/watch?v=nmO0OZC6Ifk




sábado, 8 de agosto de 2015

Zé e Zappa: A reinvenção da vanguarda e o resgate da concepção de Stravinsky


Os anos 1960 ficaram marcados por ser a década em que houve uma revolução cultural imensurável em nível mundial. Nesse período destaca-se a consolidação do nascente rock and roll e sua explosão em âmbito mundial, através da beatlemania e posteriormente do movimento hippie.  Neste período, no Brasil, também temos um turbilhão cultural se desenvolvendo, através do apogeu da contracultura, da bossa nova, da música de protesto e do tropicalismo.
Na política, essa década do século XX ficou marcada pela instalação de regimes autoritários em países da América Latina, pela política externa intervencionista norte-americana que resultou na Guerra no Vietnã, pelo movimento ocorrido na França, denominado “maio de 1968”, no qual setores estudantis e, posteriormente, do proletariado francês reivindicaram do governo a execução de reformas nas políticas educacionais francesas.
A apresentação desse contexto histórico é necessária para analisarmos o cenário no qual surgiram os dois maiores nomes da música de vanguarda deste período: Tom Zé e Frank Zappa.
Sabe-se que ambos os artistas beberam da mesma fonte: a música de Ígor Stravinsky. Este grande músico, do início século XX, foi um grande experimentalista, com a criação de obras distantes dos padrões da estética musical, sendo considerado um compositor inovador, com a predileção, em suas obras, de estruturas rítmicas e melódicas complexas, além do uso frequente de dissonâncias, despertando a admiração de Tom Zé e de Frank Zappa.
O baiano Tom Zé participou ativamente do movimento da Tropicália (1967-1969), sendo um dos principais responsáveis pelo estilo artístico adotado pelo movimento. Toda sua obra posterior procurou enfatizar, na concepção das letras e dos arranjos, a fusão de elementos da pop-art, do rock and roll e da música brasileira com o experimentalismo presentes nas obras de Stravinsky e demais compositores de vanguarda. 
Tom Zé possui álbuns memoráveis, com destaque aos discos Todos os Olhos de 1974, Estudando o Samba de 1976, Tropicália Lixo Lógico de 2012, entre outros. 
Cabe ressaltar que no Brasil, após o tropicalismo, sua obra passou despercebida até ganhar notoriedade internacional, no final dos anos 1980, através do “reconhecimento” de David Byrne, músico da banda Talking Heads, ao ouvir uma de suas obras. 
Byrne ficou admirado pela estética musical de Tom Zé e resolveu fazer a divulgação de suas canções nos EUA.
O norte-americano Frank Zappa também possuía forte influência de compositores de vanguarda (Edgard Varese, Stravinsky e Anton Webern) e conseguiu incorporar esses elementos com a sua inovadora música com marcante presença do jazz, do rhythm and blues e do rock and roll em suas composições. 
Em toda a sua carreira, Frank Zappa foi considerado praticante de música underground, e suas obras continham sátiras aos modismos musicais da época, neste caso, a psicodelia, a opera rock e o disco. Os principais discos de Zappa são Hot Rats de 1969, Waka/Jawaka e The Grand Wazoo, ambos de 1972, e You are What You is, etc. Em 1993, Zappa morreu devido ao alastramento de um câncer.
Infelizmente a vida e o destino não possibilitaram que Tom Zé e Frank Zappa se cruzassem e, talvez, desenvolvessem um trabalho conjunto. Se essa parceria acontecesse, certamente teríamos ainda mais belíssimas contribuições e inovações estilísticas musicais. Salve Zé, Salve Zappa!

REFERÊNCIAS:
Wikipédia – Frank Zappa: https://pt.wikipedia.org/wiki/Frank_Zappa
Wikipédia – Stravinsky: https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dgor_Stravinski