sábado, 29 de outubro de 2016

Diálogos: A Escola Pública faz um país?








Ana Paula Silveira
E-mail: a_silveirapaula@yahoo.com.br

Não é de hoje que, na sociedade brasileira, as mudanças, os entraves, os acontecimentos históricos se dão em espaços escolares formais e não formais, sobretudo em escolas públicas. Como por exemplo, a escolarização dos nativos da ilha de Vera Cruz.

Avançando um pouco mais na história brasileira nos deparamos com uma escola elitista e seletiva, onde poucos gozam do direito a escolarização, assim aumentando as diferenças sociais.

Aqueles que eram abastados ao terminar a formação básica no país se dirigia a Europa para ter uma formação acadêmica de alto nível, voltando para o Brasil para implementar o aprendido, mas as ideias inovadoras foram consideradas ameaças por muitos que aqui administravam os setores e segmentos sociais, impedidos de pôr em prática seus anseios, alguns desses jovens se rebelaram, dando início a motins, revoltas e inconfidências, nesse sentido observamos que a educação tem o poder de criar transformar a realidade posta.

Após a criação das Universidades Públicas brasileiras, as mesmas foram palcos de inovações cientificas, descobertas artísticas, formação de grandes escritores, teóricos e críticos, porém se torna uma ameaça à ordem impostas por governos ditatoriais e, por consequência, tendo vários universitários perseguidos, torturados e mortos por militares.

Com o passar dos anos, na “redemocratização”, as escolas passaram ter papel essencial nas escolhas dos dirigentes governamentais em dois aspectos, sendo eles como o espaço físico para o pleito e o espaço que pode oferecer uma formação crítica para que as pessoas façam as escolhas devidas, mas não é interessante manter uma sociedade crítica e atuante, pois essa sociedade, munida de conhecimento, transforma a realidade, luta pelos seus direitos.

Com concessões de benefícios a população, políticas públicas são implementadas, mediante a frequência escolar das crianças nas escolas, através de projetos, tais como o “Visão de Futuros” que são realizados na escola, as ações vinculadas à Pastoral da Família, as campanhas de vacinação e a última, contra o HPV, podendo elencar numerosas ações que acontecem nas escolas, mas frisei as recentes das últimas décadas.

Além desses fatos mencionados, a escola também é o abrigo para as pessoas vítimas de desastres naturais, abrigo para esportistas em competições regionais, abrigo para congressistas.  Mais uma vez a escola ensina, direciona os fatos sociais e acolhe as pessoas.

O abrigo para mudança, a escola pública passou a ser no ano de 2016, como por exemplo, a revolução feita pelos secundaristas do Estado de São Paulo, que derrubaram o projeto que fecharia escolas estaduais, proposta governamental com objetivos de expansão do ensino técnico, no Estado de São Paulo.

Recentemente, em todo território nacional, outra ocupação iniciou contra a Reforma do Ensino Médio, a qual pretende eliminar disciplinas do currículo escolar, além das escolas de ensino médio estarem ocupadas no momento, os institutos federais de educação, as universidades públicas também estão ocupadas contra a aprovação da PEC-241, cabendo ressaltar que essa ocupação chama mais atenção da mídia e preocupa os governantes, pelo fato das proximidades do ENEM e das Eleições Municipais do segundo turno.

Há uma preocupação, porém não é com os estudantes mortos e feridos durante a ocupação, a preocupação, por hora, é com a situação dos espaços escolares, para acontecer as escolhas dos dirigentes municipais, que quando ocuparem altos cargos políticos esquecerem, de suas origens, desrespeitando movimentos estudantis legítimos. 

As manifestações ocorridas esse ano em escolas públicas, mostram o quão organizado e politizado estão os jovens brasileiros, estes certamente estão aprendendo, cada vez mais pela pedagogia da convivência e pela educação não formal, talvez estes jovens disciplinados dentro de uma sala de aula, com padrões tradicionais, decorando conteúdos para as provas finais, não conseguiriam apreender sobre as perspectivas sociais, culturais e econômicas, o aprendizado político e crítico não perpassam as matrizes curriculares, dos jovens brasileiros, os Estado cada vez mais formam jovens passiveis e acríticos.
 
A escola, enquanto espaço de luta, transformação e revolução, não pode se calar diante das imposições de governos ilegítimos, que podem feri-la, uma vez que é pela escola e na escola que acontece ações e programas do governo federal para beneficiar a sociedade civil, é na escola que escolhemos os representantes governamentais, essa escolha se dá no âmbito subjetivo, pois no processo de ensino/aprendizagens de qualidade teremos as condições plenas de escolher criticamente quem irá nos representar, mas também de modo objetivo por meio das eleições voltamos à escola para exercer a nossa cidadania.

Além disso, passamos a maior parte do tempo de nossas vidas na escola, nesse sentido pode-se afirmar que a nossa personalidade é constituída dentro da escola, ou seja quem somos e o que fazemos é fruto do que fomos e do que apreendemos, enquanto crianças, adolescentes e jovens estudantes, por isso a necessidade da escola, repensar como está contribuindo para a formação do sujeito e formação da sociedade brasileira, a reforma educacional é necessária, mas está não deve ser imposta, precisa surgir do “chão da fábrica”, ou seja todos da comunidade escolar são competentes para propor a mudança, a transformação.

A escola não é apenas um prédio em que mandamos as crianças, os jovens para decorar apostilas, atingir rankings mundiais, a escola é o locus de constituição do sujeito de suas ações na sociedade, ações estas que primem pela mudança, por um novo Brasil.

sábado, 15 de outubro de 2016

Tempos temerosos



Fábio Augusto da Silva Lima
Contato: fabioasl@gmail.com

O cantor e compositor Cazuza foi um visionário da sua época. Na década de 1980, escreveu a espetacular letra da música “O tempo não para”. Em um dos versos, diz que via “o futuro repetir o passado...” Se ocorresse nos dias, em 2016, não seria diferente. Vivemos tempos temerosos. A história da política brasileira repete seu passado, no caso, de tradição oligárquica, ruptura institucional e de eterno retrocesso.

Isso ficou evidente após a posse do atual presidente, ex-vice-presidente, Michel Temer. A começar pelo slogan adotado pelo seu governo, “Ordem e Progresso” que remete a época da Ditadura Militar no Brasil. Nem bem começou seu governo, com a consolidação do processo de impeachment da ex-presidente, Dilma Rousseff, que a afastou definitivamente do cargo, Michel Temer começou a implementar seu pacote de reformas fiscais, de redução dos gastos públicos, da reforma da previdência e trabalhista, dentre outras medidas, “um museu de grandes novidades”.

Mas como “tragédia pouca é bobagem”, o novo governo acena para o corte de despesas com saúde e educação, o que seria um caos, uma vez que essas duas áreas já passam dificuldades com os atuais recursos disponíveis. Isso sem contar na postura antidemocrática do presidente Temer, que não tem nenhum constrangimento em tomar decisões a seu bel prazer, como fez na proposta de reforma do Ensino Médio, por meio de medida provisória, sem nenhum tipo de debate com a sociedade, e pior, sem consultar os maiores afetados por essa reforma, como professores, alunos e comunidade escolar. Tudo isso com apoio da maioria de deputados e senadores, agentes e defensores do mesmo golpe.

Como politica compensatória, o presidente lançou na última semana o programa “Criança Feliz” que tem como objetivo, dar assistência a crianças de até 3 anos de idade, cuja família seja beneficiada pelo Bolsa Família. A proposta é que essas crianças tenham acompanhamento médico, pedagógico e psicológico. Faltam escolas, hospitais, moradias e vários outros bens sociais pelo país afora, mas agora temos o “Criança Feliz”.

O programa que está vinculado à pasta do Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário, visa integrar ações de várias áreas, como assistência social, educação e saúde. Segundo a pagina oficial do Palácio do Planalto, a iniciativa quer oferecer às famílias beneficiadas pelo Bolsa Família mais informação e interação com suas crianças, para identificar oportunidades e riscos ao desenvolvimento infantil.

Como de praxe, o programa parece ter sido feito as pressas, para mostrar que o atual presidente também se preocupa com as questões sociais. “Só que não”. Na verdade, o que está em curso é a destruição dos bens sociais. No mais, como lhe falta carisma e popularidade, Michel Temer colocou a primeira dama, Marcela Temer, para apresentar o programa.

Ao analisar seus objetivos, é impossível não comparar essa iniciativa com a teoria de carência cultural, tão disseminada na época dos anos 70. Essa tese defende que o fracasso do aluno na escola advinha da sua carência de cultura, ou seja, da falta de cultura proveniente do ambiente em que vive. Em suma, isso quer dizer que as crianças pobres tinham dificuldade de aprender por terem menos cultura do que as crianças ricas.

A teoria de carência cultural se justificaria pela ideia de que os fatores socioculturais influenciarem diretamente nas características físicas, emocionais e cognitivas de cada criança, interferindo então, em sua capacidade de aprender.

Porém, esta teoria é falha em diversos pontos, pois não considera as diferenças individuais, contribuindo para aumentar ainda mais a desigualdade social; sugere e acredita que existe um padrão ideal e quantitativo de cultura adquirida; promove a segregação; direciona os alunos “carentes de cultura” para um caminho quase sem volta, rumo ao fracasso. Inclusive, há vários estudos de grandes autores brasileiros que criticam essa teoria, dentre eles, Paulo Freire e Demerval Saviani.

Ao resgatar essa teoria de carência cultural, por meio do programa Criança Feliz, o que já é lamentável, o governo Temer ainda conseguiu outra proeza: a tradição monárquica de colocar as mulheres em funções assistencialistas, no caso, sua esposa Marcela, como embaixadora das crianças do Brasil. Talvez seja para compensar o fato do seu governo ser composto quase que exclusivamente por homens, ricos, velhos e brancos, com exceção de Grace Mendonça, única mulher dentre os ministérios, nomeada para a Advocacia Geral da União.

Durante a apresentação do programa, por meio de um discurso curto, vago e cheio de clichês, a primeira dama enfatiza que esse será um trabalho assistencial, voluntário, não renumerado, uma vez que é casada com um homem rico e não precisaria de salário. Segundo ela, sua preocupação é com os cuidados na primeira infância, embora não seja profissional da educação nem da saúde, sua formação é na área do Direito.

Para terminar, voltando ao começo desse artigo, se “o futuro repete o passado” o grande poeta Cazuza também nos lembra de que “o tempo não para”, ou seja, o presente também pode possibilitar o Kairos, tempo da oportunidade na mitologia grega, então, que possamos romper com esse retrocesso politico em curso no Brasil, estabelecendo novas perspectivas, novas batalhas, novas conquistas, pois se queremos ter nossas crianças, de fato, felizes, é necessária e urgente à transformação da nossa realidade. Para isso, temos que deixar de “temer” para poder lutar e construir um futuro melhor.