Fábio Augusto da Silva
Lima
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fabioasl@gmail.com
O cantor e compositor Cazuza foi um
visionário da sua época. Na década de 1980, escreveu a espetacular letra da
música “O tempo não para”. Em um dos versos, diz que via “o futuro repetir o passado...”
Se ocorresse nos dias, em 2016, não seria diferente. Vivemos tempos temerosos.
A história da política brasileira repete seu passado, no caso, de tradição
oligárquica, ruptura institucional e de eterno retrocesso.
Isso ficou evidente após a posse do atual
presidente, ex-vice-presidente, Michel Temer. A começar pelo slogan adotado
pelo seu governo, “Ordem e Progresso” que remete a época da Ditadura Militar no
Brasil. Nem bem começou seu governo, com a consolidação do processo de
impeachment da ex-presidente, Dilma Rousseff, que a afastou definitivamente do
cargo, Michel Temer começou a implementar seu pacote de reformas fiscais, de
redução dos gastos públicos, da reforma da previdência e trabalhista, dentre
outras medidas, “um museu de grandes novidades”.
Mas como “tragédia pouca é bobagem”, o novo
governo acena para o corte de despesas com saúde e educação, o que seria um
caos, uma vez que essas duas áreas já passam dificuldades com os atuais
recursos disponíveis. Isso sem contar na postura antidemocrática do presidente
Temer, que não tem nenhum constrangimento em tomar decisões a seu bel prazer,
como fez na proposta de reforma do Ensino Médio, por meio de medida provisória,
sem nenhum tipo de debate com a sociedade, e pior, sem consultar os maiores afetados
por essa reforma, como professores, alunos e comunidade escolar. Tudo isso com
apoio da maioria de deputados e senadores, agentes e defensores do mesmo golpe.
Como politica compensatória, o presidente
lançou na última semana o programa “Criança Feliz” que tem como objetivo, dar
assistência a crianças de até 3 anos de idade, cuja família seja beneficiada
pelo Bolsa Família. A proposta é que essas crianças tenham acompanhamento
médico, pedagógico e psicológico. Faltam escolas, hospitais, moradias e vários
outros bens sociais pelo país afora, mas agora temos o “Criança Feliz”.
O programa que está vinculado à pasta do
Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário, visa integrar ações de várias
áreas, como assistência social, educação e saúde. Segundo a pagina oficial do
Palácio do Planalto, a iniciativa quer oferecer às famílias beneficiadas pelo
Bolsa Família mais informação e interação com suas crianças, para identificar
oportunidades e riscos ao desenvolvimento infantil.
Como de praxe, o programa parece ter sido
feito as pressas, para mostrar que o atual presidente também se preocupa com as
questões sociais. “Só que não”. Na verdade, o que está em curso é a destruição
dos bens sociais. No mais, como lhe falta carisma e popularidade, Michel Temer
colocou a primeira dama, Marcela Temer, para apresentar o programa.
Ao analisar seus objetivos, é impossível
não comparar essa iniciativa com a teoria de carência cultural, tão disseminada
na época dos anos 70. Essa tese defende que o fracasso do aluno na escola
advinha da sua carência de cultura, ou seja, da falta de cultura proveniente do
ambiente em que vive. Em suma, isso quer dizer que as crianças pobres tinham
dificuldade de aprender por terem menos cultura do que as crianças ricas.
A teoria de carência cultural se
justificaria pela ideia de que os fatores socioculturais influenciarem
diretamente nas características físicas, emocionais e cognitivas de cada
criança, interferindo então, em sua capacidade de aprender.
Porém, esta teoria é falha em diversos
pontos, pois não considera as diferenças individuais, contribuindo para
aumentar ainda mais a desigualdade social; sugere e acredita que existe um
padrão ideal e quantitativo de cultura adquirida; promove a segregação;
direciona os alunos “carentes de cultura” para um caminho quase sem volta, rumo
ao fracasso. Inclusive, há vários estudos de grandes autores brasileiros que
criticam essa teoria, dentre eles, Paulo Freire e Demerval Saviani.
Ao resgatar essa teoria de carência
cultural, por meio do programa Criança Feliz, o que já é lamentável, o governo
Temer ainda conseguiu outra proeza: a tradição monárquica de colocar as
mulheres em funções assistencialistas, no caso, sua esposa Marcela, como
embaixadora das crianças do Brasil. Talvez seja para compensar o fato do seu
governo ser composto quase que exclusivamente por homens, ricos, velhos e
brancos, com exceção de Grace Mendonça, única mulher dentre os ministérios,
nomeada para a Advocacia Geral da União.
Durante a apresentação do programa, por meio
de um discurso curto, vago e cheio de clichês, a primeira dama enfatiza que
esse será um trabalho assistencial, voluntário, não renumerado, uma vez que é
casada com um homem rico e não precisaria de salário. Segundo ela, sua
preocupação é com os cuidados na primeira infância, embora não seja
profissional da educação nem da saúde, sua formação é na área do Direito.
Para terminar, voltando ao começo desse
artigo, se “o futuro repete o passado” o grande poeta Cazuza também nos lembra
de que “o tempo não para”, ou seja, o presente também pode possibilitar o Kairos,
tempo da oportunidade na mitologia grega, então, que possamos romper com esse
retrocesso politico em curso no Brasil, estabelecendo novas perspectivas, novas
batalhas, novas conquistas, pois se queremos ter nossas crianças, de fato,
felizes, é necessária e urgente à transformação da nossa realidade. Para isso,
temos que deixar de “temer” para poder lutar e construir um futuro melhor.
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