O sentimento de uma geração
Sociólogo estuda rebeldia do rock nos anos 80
A explosão do rock nacional, na década de 80,
influenciou não só toda uma geração de jovens, como contribuiu para o processo
de reabertura política no Brasil. A atitude politizada e contestadora de bandas
como Ira!, Ultraje a Rigor, Plebe Rude e Legião Urbana, assim como o
crescimento do movimento punk nos subúrbios paulistanos no período, ultrapassou
o universo musical e incentivou adolescentes de todo o País a reagir contra a
repressão imposta pela ditadura militar.
Segundo o sociólogo Clóvis Santa Fé Júnior, autor da
dissertação de mestrado “Rock Politizado Brasileiro dos anos 80”, apresentada
na Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, campus de Araraquara, as canções
engajadas do período serviram como forma de conscientização para uma juventude
que, às vésperas da redemocratização, com as campanhas das Diretas Já, assistia
à tão sonhada liberdade de expressão tornar-se uma realidade. Santa Fé,
orientado em seu trabalho pelo cientista social Marcelo Siqueira Ridenti, então
docente da UNESP e hoje na Unicamp, explica que, após um período de mais de 20
anos submetidos à repressão dos militares, os jovens, influenciados por essa
nova geração de roqueiros, começaram, pouco a pouco, a buscar e a reaprender o
conceito de democracia, solapado desde o golpe de 1964. “Nos anos 80 os
roqueiros dirigiam suas críticas a diversos setores da sociedade, como a
política, a economia e o comportamento”, afirma.
Uma das principais preocupações do sociólogo foi resgatar o
ponto de vista das bandas e do público nos anos 80. Por isso, Santa Fé preferiu
não entrevistar os roqueiros da época já que, segundo ele, após vinte anos,
grande parte não conservava mais a mesma rebeldia. Seu trabalho foi baseado em
pesquisas em diversos materiais remanescentes da época, principalmente
publicações especializadas em música, como as revistas Bizz e Roll, em edições
de 1985 a 1990. “Esse material me ajudou a retratar aquilo que pensavam os
roqueiros e o público nesse período”, afirma.
A participação da indústria cultural no segmento do rock
também é enfocada por Santa Fé.
“As bandas dos anos 80 conseguiam traduzir a realidade e a
angústia vivida pelos jovens, principalmente os urbanos. Por isso, elas foram
consideradas pelas gravadoras como um investimento seguro e lucrativo”, afirma.
“Nessa época, o rock realmente se popularizou e vendeu muitos discos, mas, com
o tempo, aquele espírito crítico e contestador acabou se perdendo, ou pelo
menos, tornou-se menos explícito.” (Veja quadro.)
O
sociólogo acrescenta que embora o segmento politizado do rock nos anos 80 tenha
nascido em um circuito musical alternativo, “feito por jovens para os jovens”,
muitos grupos e artistas aderiram ao esquema comercial das gravadoras com a
desculpa de que, por meio delas, suas mensagens poderiam ser veiculadas com
mais facilidade. “Isso ajudou o processo de massificação da música no Brasil,
que, para se consolidar, ainda precisava atingir o público jovem”, conclui
Santa Fé.
Contestação permanece
Vocalista do Ira elogia bandas como O Rappa
Ao que parece, as mensagens engajadas e contestadoras que
marcaram muitos dos sucessos das bandas nacionais na década de 1980 não têm a
mesma importância para o cenário do rock brasileiro atual. Segundo o sociólogo
Clóvis Santa Fé, os hits de maior popularidade entre os jovens no País são, em
sua maioria, comerciais e descompromissados com causas políticas e sociais.
Para ele, a conquista definitiva da liberdade de expressão, o combate ao
preconceito e a consolidação do espaço para a música jovem no País foi a grande
herança dos grupos dos anos 80 para essa geração do rock. “O lema punk do it
your self – ‘Faça você mesmo!’ –, que influenciou grande parte das bandas
daquela época, não foi abandonado e, graças a ele, o circuito musical alternativo
vem crescendo e dando origem a novos grupos e selos independentes”, afirma.
Para Nasi, vocalista da banda Ira!, apesar das imposições por
parte da indústria fonográfica, a cena do rock nacional entre as décadas de
1990 e 2000 também rendeu bons frutos. Segundo ele, bandas como O Rapa, Planet
Hemp e Nação Zumbi, são inovadoras e retratam com clareza a realidade atual no
Brasil. “Bandas como essas representam, para a geração atual, aquele espírito
contestador do Rock nos anos 80”, afirma. “Uma alternativa não só para os novos
grupos musicais, mas também para o público, são as rádios comunitárias”,
afirma.
Otimista em relação ao futuro da música e do rock no Brasil,
Nasi acrescenta que o verdadeiro talento é capaz de ultrapassar qualquer
barreira. “Quando comecei a tocar nunca imaginei que o rock se tornaria uma
espécie de indústria”, afirma. “Mas tenho esperanças. No filme Jurassic Park,
de Steven Spielberg, há uma frase que diz ‘A vida encontrará um caminho’.
Acredito que o mesmo acontece com a música”, compara. “No momento, o rap vem
sendo o agente de contestação mais contundente da música brasileira.”
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