terça-feira, 25 de junho de 2013

“A DEMOCRACIA COMO VALOR UNIVERSAL”


Clóvis Santa Fé Jr[1]

Começo meu texto me apropriando do título do ensaio do saudoso filósofo político Carlos Nelson Coutinho   um dos textos que li durante a faculdade e que me impactou profundamente    para discorrer sobre os últimos eventos envolvendo as manifestações populares que tomam as ruas de todo o país, das quais tanto me alegro mas também me preocupam. E faço isso não por acaso, mas pela necessidade urgente de que pensemos os “caminhos” que essas passeatas estão tomando, perpassadas pelo “ressentimento” e até por uma certa intolerância. 

É certo a existência de uma crise de nossas instituições políticas, que parece revelar a falência da forma “partido” como mecanismo de representação política dos anseios dos vários segmentos que compõem a sociedade como um todo. Isso fica muito claro em frases de efeito que aparecem pintadas nos diversos cartazes e/ou faixas dos manifestantes, como por exemplo, “nenhum Partido me representa” ou “nem esquerda nem direita, eu quero seguir em frente”. Para mim, ser “apartidário” não obriga que o mundo seja também e vice-versa. Já disse uma vez que o mundo das "plenas certezas" é solo fértil para pensamentos totalitários. 

Quando lidamos com o conceito “democracia”, que pressupõe “liberdade de expressão e pensamento”, é preciso respeitar a existência das diferentes formas de pensar o mundo, mesmo que não concordemos com elas. Daí a importância do “Estado Laico”, o qual ao separar o Estado da religião busca garantir a pluralidade de pensamento, crenças (liberdade de culto), ideologias etc. 

Neste sentido, a participação de partidos políticos, que historicamente sempre defenderam causas progressistas, é importante, para não dizer crucial, mesmo que isso se dê de forma “oportunista” num primeiro momento. Impedir a participação nas manifestações de rua das pessoas que possuem ideologia partidária abre caminho para algo mais perigoso, ou seja, o “pensamento totalitário”. Penso que na luta por um Brasil melhor cabe o diálogo com todas as forças progressistas, sejam elas partidárias ou não. E não conseguiremos isso levando a destruição dos canais políticos de diálogo. Dito de outra forma, unidos em nossas reivindicações somos mais fortes do que lutando “uns contra os outros”. 

Digo isso porque “onde o diálogo cala a intolerância em suas múltiplas formas ruge”. Também se faz necessário que façamos uma reflexão cuidadosa no que diz respeito ao surgimento de “pautas espúrias”, como as que pedem o “Impeachment da Dilma” ou ainda uma “intervenção militar”. Essas são reivindicações perigosas e ilegítimas, que grupos com interesse em promover a instabilidade das instituições democráticas estão tentando implantar como pauta principal das manifestações; buscam assim se beneficiarem no final desse processo tomando e/ou manipulando o poder às custas da inocência popular. A Presidente em exercício foi eleita de forma legítima e deve permanecer no cargo até completar o seu mandato mesmo que não gostemos de sua gestão. A desaprovação da presidente deve ser revelada nas próximas eleições através do voto democrático. Isso é a democracia. E não se enganem, essas “reivindicações” (refiro-me ao “impeachment” e a “intervenção militar”) não tornam nossa democracia mais efetiva (e/ou melhor) como fazem imaginar. 

Ao contrário, elas alargam a crise institucional de nossa jovem democracia, e não podemos retroceder nas conquistas que o nosso país conseguiu nos últimos 28 anos (eleições diretas, liberdades democráticas, etc.). Portanto, se o movimento que ocupa as ruas do país não tiver uma agenda clara, pessoas organizadas (que seja até como “associações de bairro” e não “ajuntadas” como estão) e disposição para negociar politicamente a reivindicação dos direitos, caminharemos para a instabilidade do regime democrático. Neste sentido, a possibilidade do retorno de um regime autoritário, seja civil ou militar, passará a ser um dado concreto no horizonte (o qual repúdio totalmente só em pensar em tal possibilidade!!!). Vivemos um momento lindo da história brasileira mas grave devido a nossa fragilidade institucional posta em xeque; um momento em que o povo ocupa as ruas como nunca pensamos ser possível, mas que agora clama por algo inovador, isto é, que as pessoas (incrédulas com os partidos) se organizem em organizações e/ou associações de novo tipo para assumir com outras organizações (partidárias ou não) a interlocução com os governos federal, estadual e municipal e tornar concretas as reivindicações hoje legítimas. As redes sociais na internet mostraram sua importância, cabe a nós agora acrescentá-las de forma inovadora no diálogo democrático com quem nos representa. 

Um novo Brasil e novas instituições democráticas podem estar nascendo a partir desse poderoso “experimento político” que estamos vivenciando, porém “é preciso o cuidado de não jogarmos o bebê junto com a água do banho”. 

Sejam bem-vinda “vozes das ruas”, nossa jovem democracia sentiu muito sua falta!!!


[1] É mestre em Sociologia pelo programa de Pós-graduação em Sociologia da UNESP/FCLAr e docente da Faculdade de Tecnologia de Sertãozinho (FATEC) nas disciplinas “Sociedade, Tecnologia e Inovação” e “Sociologia das Organizações” do curso de Tecnologia em Gestão Empresarial: Processos Gerenciais.

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