quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Finanças Públicas, PEC 241 / PEC 55 e os desdobramentos para o País.

Cléder Aparecido Santa-Fé
E-mail: casantafe83@gmail.com


“Não ascendo bandeira, não colo adesivo
Não tenho partido, odeio político
A única campanha que eu faço é pelo ensino
E pro meu povo se manter vivo”. (Facção Central)


O principal assunto abordado em todas as mídias e por diversos atores da sociedade civil está relacionado à aprovação, nas casas legislativas, da PEC 241 / 55, mais conhecida como a PEC do Teto.

Tendo por base a exposição de motivos da referida Proposta de Emenda de Constitucional, EMI nº. 00083/2016 MF MPDG, a equipe econômica do governo Temer alega que, após a crise econômica de 2008, o orçamento federal vem sofrendo um crescente desequilíbrio orçamentário, sendo que o governo federal está onerando os cofres públicos com o aumento desproporcional da despesa pública primária e, em contrapartida, as receitas arrecadadas pelo governo continuam constantes. De acordo com o documento, a raiz do problema fiscal:

“[...] está no crescimento acelerado da despesa pública primária. No período 2008-2015, essa despesa cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%. Torna-se, portanto, necessário estabilizar o crescimento da despesa primária, como instrumento para conter a expansão da dívida pública. Esse é o objetivo desta Proposta de Emenda à Constituição”. (BRASIL, 2016).

A proposta sugerida pela equipe de Temer, para solucionar o referido desequilíbrio fiscal, seria adotar, durante o período de 20 anos, o estabelecimento de um teto máximo para o gasto público, sendo repassado para o exercício fiscal seguinte apenas a reposição da inflação do ano anterior, desta forma, ocorreria um congelamento dos investimentos públicos, possibilitando o reequilíbrio orçamentário e coibindo as grandes distorções nas taxas de juros e desemprego.

É citado, pelo Ministro da Fazenda, que alguns setores possuirão limites de gastos individualizados, por exemplo, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, incluso o Tribunal de Contas da União, Ministério Público da União e demais órgãos autônomos. As áreas públicas afetadas com a fixação de gasto mínimo dos recursos são a saúde e a educação.

De acordo com a Economista e Professora da USP, Laura Carvalho, em entrevista no canal do Youtube “Justificando”, o problema fiscal não estaria atrelado ao aumento da despesa pública, conforme defende o atual governo, mas na deterioração da arrecadação fiscal, ou seja, a crise governamental é fruto da queda das receitas públicas. A grande questão que paira no ar é a seguinte: Em que momento e em quais medidas o governo abdicou de arrecadar receitas?

A referida economista apresenta que desde a desaceleração econômica ocorrida em 2011, o governo promoveu diversas medidas de isenções fiscais para a classe empresarial, afetando diretamente na queda da receita pública. Em 2010, foi assinada lei que concedeu a isenção fiscal de 1 bilhão de reais em impostos à FIFA e seus parceiros, com a finalidade de se realizar a Copa do Mundo de 2014 no país, de acordo com notícia veiculada no site do jornal “O Estado De São Paulo”.

Tanto os governos petistas, quanto o atual governo “golpista” também continuaram concedendo diversos benefícios fiscais, assim como se recusaram a propor, como alternativa para minimizar a crise, a discussão e aprofundamento da reforma tributária, como também a regulamentação de alguns impostos previstos na Constituição Federal de 1988, tais quais podemos citar a taxação sobre grandes fortunas.

Ficou evidente, com essa sucinta análise, que realmente não serão os grupos empresariais e industriais, representados pela FIESP e órgãos correlatos, que irão pagar o pato. A única alternativa, cogitada pelo governo Temer, é a famosa socialização do prejuízo com a sociedade brasileira, uma vez que o congelamento de gastos na saúde e educação, áreas tão importantes e ainda defasadas no Brasil, resultará em precarização e sucateamento dos serviços de saúde e educação ofertados pelos estados e municípios brasileiros. Com uma educação pública sucateada, haverá um aprofundamento das desigualdades sociais e uma elitização do saber e do direito à saúde, com poucos tendo acesso a uma educação e saúde de qualidade.

Portanto, salienta-se a existência de outros “remédios” para equilibrar a receita pública, que vão desde o combate efetivo contra a corrupção, o empoderamento dos cidadãos para o controle social do gasto público até a extinção de regalias da classe política e empresarial, sem ser necessário adotar o corte de gastos em direitos sociais. 

Deste modo, cabem aos cidadãos ocuparem os espaços públicos, seguindo o exemplo dos secundaristas, que ocuparam as escolas públicas em diversas regiões do país, com a finalidade de pressionar esse temerário governo a repensar a PEC 241 / 55 e seus desdobramentos para o país.

 
REFERÊNCIAS:

BRASIL: Proposta de Emenda Constitucional 241/2016. “Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal”. Disponível em: “http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=AE4B09166F523D2093F039323E1DB702.proposicoesWebExterno1?codteor=1468431&filename=PEC+241/2016”. Acesso em: 02-nov-2016.
CANAL JUSTIFICANDO, YOUTUBE. “PEC 241 – Justificando entrevista Laura Carvalho”. Disponível em: “https://www.youtube.com/watch?v=O8WIRV42b0E”. Acesso em: 02-nov-2016.
ESTADÃO, “Brasil abre mão de arrecadar R$ 1 bilhão em impostos na Copa de 2014”. Disponível em: “http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,brasil-abre-mao-de-arrecadar-r-1-bilhao-em-impostos-na-copa-de-2014,1024244”. Acesso em: 02-nov-2016.
G1, GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S.A. “Estudantes ocupam prédios em protesto contra a PEC 241 no MA”. Disponível em: “http://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2016/10/estudantes-ocupam-predios-em-protesto-contra-pec-241-no-ma.html”. Acesso em: 02-nov-2016.
TOM WEB. “Transparência Orçamentária Municipal Via Internet”. Disponível em: “https://thetomweb.wordpress.com/”. Acesso em: 02-nov-2016.

sábado, 29 de outubro de 2016

Diálogos: A Escola Pública faz um país?








Ana Paula Silveira
E-mail: a_silveirapaula@yahoo.com.br

Não é de hoje que, na sociedade brasileira, as mudanças, os entraves, os acontecimentos históricos se dão em espaços escolares formais e não formais, sobretudo em escolas públicas. Como por exemplo, a escolarização dos nativos da ilha de Vera Cruz.

Avançando um pouco mais na história brasileira nos deparamos com uma escola elitista e seletiva, onde poucos gozam do direito a escolarização, assim aumentando as diferenças sociais.

Aqueles que eram abastados ao terminar a formação básica no país se dirigia a Europa para ter uma formação acadêmica de alto nível, voltando para o Brasil para implementar o aprendido, mas as ideias inovadoras foram consideradas ameaças por muitos que aqui administravam os setores e segmentos sociais, impedidos de pôr em prática seus anseios, alguns desses jovens se rebelaram, dando início a motins, revoltas e inconfidências, nesse sentido observamos que a educação tem o poder de criar transformar a realidade posta.

Após a criação das Universidades Públicas brasileiras, as mesmas foram palcos de inovações cientificas, descobertas artísticas, formação de grandes escritores, teóricos e críticos, porém se torna uma ameaça à ordem impostas por governos ditatoriais e, por consequência, tendo vários universitários perseguidos, torturados e mortos por militares.

Com o passar dos anos, na “redemocratização”, as escolas passaram ter papel essencial nas escolhas dos dirigentes governamentais em dois aspectos, sendo eles como o espaço físico para o pleito e o espaço que pode oferecer uma formação crítica para que as pessoas façam as escolhas devidas, mas não é interessante manter uma sociedade crítica e atuante, pois essa sociedade, munida de conhecimento, transforma a realidade, luta pelos seus direitos.

Com concessões de benefícios a população, políticas públicas são implementadas, mediante a frequência escolar das crianças nas escolas, através de projetos, tais como o “Visão de Futuros” que são realizados na escola, as ações vinculadas à Pastoral da Família, as campanhas de vacinação e a última, contra o HPV, podendo elencar numerosas ações que acontecem nas escolas, mas frisei as recentes das últimas décadas.

Além desses fatos mencionados, a escola também é o abrigo para as pessoas vítimas de desastres naturais, abrigo para esportistas em competições regionais, abrigo para congressistas.  Mais uma vez a escola ensina, direciona os fatos sociais e acolhe as pessoas.

O abrigo para mudança, a escola pública passou a ser no ano de 2016, como por exemplo, a revolução feita pelos secundaristas do Estado de São Paulo, que derrubaram o projeto que fecharia escolas estaduais, proposta governamental com objetivos de expansão do ensino técnico, no Estado de São Paulo.

Recentemente, em todo território nacional, outra ocupação iniciou contra a Reforma do Ensino Médio, a qual pretende eliminar disciplinas do currículo escolar, além das escolas de ensino médio estarem ocupadas no momento, os institutos federais de educação, as universidades públicas também estão ocupadas contra a aprovação da PEC-241, cabendo ressaltar que essa ocupação chama mais atenção da mídia e preocupa os governantes, pelo fato das proximidades do ENEM e das Eleições Municipais do segundo turno.

Há uma preocupação, porém não é com os estudantes mortos e feridos durante a ocupação, a preocupação, por hora, é com a situação dos espaços escolares, para acontecer as escolhas dos dirigentes municipais, que quando ocuparem altos cargos políticos esquecerem, de suas origens, desrespeitando movimentos estudantis legítimos. 

As manifestações ocorridas esse ano em escolas públicas, mostram o quão organizado e politizado estão os jovens brasileiros, estes certamente estão aprendendo, cada vez mais pela pedagogia da convivência e pela educação não formal, talvez estes jovens disciplinados dentro de uma sala de aula, com padrões tradicionais, decorando conteúdos para as provas finais, não conseguiriam apreender sobre as perspectivas sociais, culturais e econômicas, o aprendizado político e crítico não perpassam as matrizes curriculares, dos jovens brasileiros, os Estado cada vez mais formam jovens passiveis e acríticos.
 
A escola, enquanto espaço de luta, transformação e revolução, não pode se calar diante das imposições de governos ilegítimos, que podem feri-la, uma vez que é pela escola e na escola que acontece ações e programas do governo federal para beneficiar a sociedade civil, é na escola que escolhemos os representantes governamentais, essa escolha se dá no âmbito subjetivo, pois no processo de ensino/aprendizagens de qualidade teremos as condições plenas de escolher criticamente quem irá nos representar, mas também de modo objetivo por meio das eleições voltamos à escola para exercer a nossa cidadania.

Além disso, passamos a maior parte do tempo de nossas vidas na escola, nesse sentido pode-se afirmar que a nossa personalidade é constituída dentro da escola, ou seja quem somos e o que fazemos é fruto do que fomos e do que apreendemos, enquanto crianças, adolescentes e jovens estudantes, por isso a necessidade da escola, repensar como está contribuindo para a formação do sujeito e formação da sociedade brasileira, a reforma educacional é necessária, mas está não deve ser imposta, precisa surgir do “chão da fábrica”, ou seja todos da comunidade escolar são competentes para propor a mudança, a transformação.

A escola não é apenas um prédio em que mandamos as crianças, os jovens para decorar apostilas, atingir rankings mundiais, a escola é o locus de constituição do sujeito de suas ações na sociedade, ações estas que primem pela mudança, por um novo Brasil.

sábado, 15 de outubro de 2016

Tempos temerosos



Fábio Augusto da Silva Lima
Contato: fabioasl@gmail.com

O cantor e compositor Cazuza foi um visionário da sua época. Na década de 1980, escreveu a espetacular letra da música “O tempo não para”. Em um dos versos, diz que via “o futuro repetir o passado...” Se ocorresse nos dias, em 2016, não seria diferente. Vivemos tempos temerosos. A história da política brasileira repete seu passado, no caso, de tradição oligárquica, ruptura institucional e de eterno retrocesso.

Isso ficou evidente após a posse do atual presidente, ex-vice-presidente, Michel Temer. A começar pelo slogan adotado pelo seu governo, “Ordem e Progresso” que remete a época da Ditadura Militar no Brasil. Nem bem começou seu governo, com a consolidação do processo de impeachment da ex-presidente, Dilma Rousseff, que a afastou definitivamente do cargo, Michel Temer começou a implementar seu pacote de reformas fiscais, de redução dos gastos públicos, da reforma da previdência e trabalhista, dentre outras medidas, “um museu de grandes novidades”.

Mas como “tragédia pouca é bobagem”, o novo governo acena para o corte de despesas com saúde e educação, o que seria um caos, uma vez que essas duas áreas já passam dificuldades com os atuais recursos disponíveis. Isso sem contar na postura antidemocrática do presidente Temer, que não tem nenhum constrangimento em tomar decisões a seu bel prazer, como fez na proposta de reforma do Ensino Médio, por meio de medida provisória, sem nenhum tipo de debate com a sociedade, e pior, sem consultar os maiores afetados por essa reforma, como professores, alunos e comunidade escolar. Tudo isso com apoio da maioria de deputados e senadores, agentes e defensores do mesmo golpe.

Como politica compensatória, o presidente lançou na última semana o programa “Criança Feliz” que tem como objetivo, dar assistência a crianças de até 3 anos de idade, cuja família seja beneficiada pelo Bolsa Família. A proposta é que essas crianças tenham acompanhamento médico, pedagógico e psicológico. Faltam escolas, hospitais, moradias e vários outros bens sociais pelo país afora, mas agora temos o “Criança Feliz”.

O programa que está vinculado à pasta do Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário, visa integrar ações de várias áreas, como assistência social, educação e saúde. Segundo a pagina oficial do Palácio do Planalto, a iniciativa quer oferecer às famílias beneficiadas pelo Bolsa Família mais informação e interação com suas crianças, para identificar oportunidades e riscos ao desenvolvimento infantil.

Como de praxe, o programa parece ter sido feito as pressas, para mostrar que o atual presidente também se preocupa com as questões sociais. “Só que não”. Na verdade, o que está em curso é a destruição dos bens sociais. No mais, como lhe falta carisma e popularidade, Michel Temer colocou a primeira dama, Marcela Temer, para apresentar o programa.

Ao analisar seus objetivos, é impossível não comparar essa iniciativa com a teoria de carência cultural, tão disseminada na época dos anos 70. Essa tese defende que o fracasso do aluno na escola advinha da sua carência de cultura, ou seja, da falta de cultura proveniente do ambiente em que vive. Em suma, isso quer dizer que as crianças pobres tinham dificuldade de aprender por terem menos cultura do que as crianças ricas.

A teoria de carência cultural se justificaria pela ideia de que os fatores socioculturais influenciarem diretamente nas características físicas, emocionais e cognitivas de cada criança, interferindo então, em sua capacidade de aprender.

Porém, esta teoria é falha em diversos pontos, pois não considera as diferenças individuais, contribuindo para aumentar ainda mais a desigualdade social; sugere e acredita que existe um padrão ideal e quantitativo de cultura adquirida; promove a segregação; direciona os alunos “carentes de cultura” para um caminho quase sem volta, rumo ao fracasso. Inclusive, há vários estudos de grandes autores brasileiros que criticam essa teoria, dentre eles, Paulo Freire e Demerval Saviani.

Ao resgatar essa teoria de carência cultural, por meio do programa Criança Feliz, o que já é lamentável, o governo Temer ainda conseguiu outra proeza: a tradição monárquica de colocar as mulheres em funções assistencialistas, no caso, sua esposa Marcela, como embaixadora das crianças do Brasil. Talvez seja para compensar o fato do seu governo ser composto quase que exclusivamente por homens, ricos, velhos e brancos, com exceção de Grace Mendonça, única mulher dentre os ministérios, nomeada para a Advocacia Geral da União.

Durante a apresentação do programa, por meio de um discurso curto, vago e cheio de clichês, a primeira dama enfatiza que esse será um trabalho assistencial, voluntário, não renumerado, uma vez que é casada com um homem rico e não precisaria de salário. Segundo ela, sua preocupação é com os cuidados na primeira infância, embora não seja profissional da educação nem da saúde, sua formação é na área do Direito.

Para terminar, voltando ao começo desse artigo, se “o futuro repete o passado” o grande poeta Cazuza também nos lembra de que “o tempo não para”, ou seja, o presente também pode possibilitar o Kairos, tempo da oportunidade na mitologia grega, então, que possamos romper com esse retrocesso politico em curso no Brasil, estabelecendo novas perspectivas, novas batalhas, novas conquistas, pois se queremos ter nossas crianças, de fato, felizes, é necessária e urgente à transformação da nossa realidade. Para isso, temos que deixar de “temer” para poder lutar e construir um futuro melhor.

sábado, 28 de maio de 2016

Doutrinação Ideológica?


Cléder Aparecido Santa-Fé
E-mail: casantafe83@gmail.com

Nas últimas semanas, ocorreu uma certa polêmica devido a tramitação, no poder legislativo, do Projeto de Lei nº 867/2015, que tem por objetivo punir a prática de doutrinação ideológica nas escolas brasileiras, proposta encaminhada pela organização "Escola Sem Partidos".

Os principais pontos abordados no projeto de lei são: a neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado; o pluralismo de ideias no ambiente acadêmico; a liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência; a liberdade de crença; o reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado; educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença; direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções e, por fim, proibir, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.

Os pontos grifados são os mais problemáticos nesta proposta tão complexa, uma vez que a ação do professor estará cerceada aos princípios éticos e morais dos pais do educando. Neste sentido, onde está a neutralidade política, ideológica e religiosa também exposta no projeto? Outra questão a ser pontuada é como o educando, como parte mais fraca na relação de aprendizado, irá diagnosticar práticas de doutrinação ideológica? Quais serão os critérios para avaliar tal prática?

É evidente que devemos defender uma imparcialidade dos conteúdos ministrados pelos professores, com a exposição de um tema de forma plural, cabendo ao docente que esteja, por exemplo, ministrando aula sobre o Capitalismo, apresentar os aspectos positivos deste sistema, como as conquistas das liberdades individuais e a consolidação das democracias modernas durante o século XX, utilizando-se de referências teóricos liberais e/ou neoliberais, como também abordar os aspectos negativos deste sistema econômico, aprofundando os conceitos de desigualdade e pobreza no sistema capitalista, através das categorias marxianas.

Outra questão equivocada do projeto de lei está na criminalização do professor como único agente promotor de doutrinação ideológica, deixando de lado a doutrinação promovida em livros didáticos e correlatos. Cabe salientar que o professor não possui autonomia plena para ministrar suas aulas, ele deve estar pautado em uma base curricular definida pelo governo federal e amparado também por diretrizes educacionais em âmbito local. 

O projeto de lei também combate, implicitamente, o caráter político da educação, conceito amplamente defendido por Paulo Freire e, outrossim, verifica-se que a "escola sem partidos" deixaria de debater com maior profundidade assuntos relacionados à cidadania, ao republicanismo e ao funcionamento da política.

Portanto, cabe enfatizar que a defesa de uma maior neutralidade nos diferentes conteúdos transmitidos pela escola pode ser significativa, principalmente no que tange à análise e adoção de certos livros didáticos, muitos desses explicitamente imparciais em determinados temas, devendo esses materiais passarem por uma avaliação mais rígida enquanto reprodutores de ideologias político-partidárias, tanto à esquerda, quanto à direita. 

Ressalta-se que esse artigo é de caráter introdutório, pois o tema é complexo e exige maior aprofundamento, sendo insuficiente tratar todas as implicações deste projeto na educação brasileira em um simples artigo. Qual é a sua opinião sobre a doutrinação ideológica no ambiente escolar?

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Lição de casa: Educação não é gasto, é investimento.

Charge de autoria de Thiago Lucas, via Folha de Pernambuco

Contanto: fabioasl@gmail.com

O Economista britânico Arthur Lewis, ganhador do Oscar de Economia em 1979, defendia que a educação nunca seria uma despesa para o Estado. Na verdade, segundo ele, “era um investimento com retorno garantido”. No entanto, ao contrario dessa afirmação, parece que o Brasil corre à direção contrária. Isso porque, em 2015, ano em que o governo brasileiro adotou o slogan do segundo mandato “Pátria Educadora”, foi um desastre para o setor da Educação. Na verdade, na contramão da propaganda oficial, o setor da educação, por meio do Ministério da Educação, o MEC, perdeu 10,5 bilhões de reais, o que equivale a 10% do orçamento previsto para a área.
Desse modo, de todos os programas educacionais, os que mais sofreram cortes foram o Pronatec e o Fies, com atraso de pagamentos de bolsas, fechamento de turmas, imposição de restrições e alterações no financiamento estudantil. Além disso, a escassez de recursos atingiu programas como o “Mais Educação” e o “Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa”. Somado a isso, ainda tivemos o corte de verbas das Universidades Federais, o que resultou em grandes e longas greves por diversas partes do país, prejudicando toda a comunidade escolar.
Diante desse contexto difícil, de falta de recursos, investimentos e corte de orçamento, o que esperar da educação nacional em 2016? Como atingir, por exemplo, as metas do Plano Nacional de Educação aprovado em 2014, dentre elas, a de se investir 10% do PIB em Educação?
A resposta evidente para essa crise na Educação, do ponto de vista do governo, seria o da falta de recursos financeiros, visto o grave cenário de crise econômica por qual o país passa, com aumento na queda de arrecadação de impostos, em todos os níveis federativos, além do cenário econômico internacional negativo, o que impossibilita maiores investimentos em educação e até mesmo o possível corte de mais recursos, com previsão de redução do Orçamento da pasta.
Por outro lado, penso que se aprofundarmos mais essa analise, perceberemos que o maior problema não foi econômico, mas sim, de planejamento e de estratégia. Quem não se lembra da descoberta do pré-sal, em 2006, quando o Ministro da Educação da época, Aluízio Mercadante, anunciou que 75% dos royalties do petróleo seriam destinados para educação e 25% para saúde. Além disso, previa-se que 50% de todos os recursos do Fundo Social do pré-sal seriam destinados às duas pastas. Inclusive, a lei foi sancionada sem vetos pela presidente Dilma Roussef no ano passado.
No entanto, o que foi comemorado na época como a grande joia do desenvolvimento nacional parece não ter vingado. Há algumas razões para isso: Primeiro porque o preço petróleo está muito abaixo do que já foi no passado. O governo acreditava que o preço futuro se manteria aos níveis mais altos, o que não se concretizou. Tanto que o preço do barril hoje é um dos mais baixos da história, cotado a U$ 22,48.
A segunda razão para isso é que além de ser um recurso finito, o petróleo é um dos maiores poluidores do planeta, e por isso vem sendo gradativamente substituído por fontes alternativas de energia, até mesmo pela China, uma das maiores consumidoras desse combustível do mundo, que vem reduzindo seu consumo.
Em terceiro, a estatal brasileira responsável pela exploração e comercialização, a Petrobrás, encontra-se diante de uma grave crise de confiança e credibilidade, a partir do inicio Operação Lava-Jato, da Policia Federal, que vem investigando e trazendo inúmeras denuncias de corrupção e esquemas de favorecimento e enriquecimento ilícitos de grupos políticos e alguns funcionários que tomaram de assalto à empresa, o que vem afetando negativamente sua imagem perante o mercado mundial.
Se não bastasse tudo isso, a realidade cada vez mais atenuante do aquecimento global se impõe sobre a continuidade da exploração e comercialização de combustíveis fosseis, poluidores do planeta, como o petróleo. Tanto que a Cúpula do Clima – COP 21, realizada em dezembro do ano passado em Paris, estabeleceu um acordo inédito entre todos os países participantes sobre a necessidade de redução das emissões dos gases do efeito estufa. Na verdade, o acordo determina que seus 195 países signatários ajam para que a temperatura média do planeta sofra uma elevação "muito abaixo de 2°C", mas "reunindo esforços para limitar o aumento de temperatura a 1,5°C".
Nesse cenário, se não pudermos contar com os recursos da exploração do pré-sal, o que fazer então para aumentar os investimentos em educação? Como o estado brasileiro poderá cumprir com todas as metas do PNE até 2024? Como, de praxe, no Brasil, de tempos em tempos, principalmente em períodos de crise, surgem propostas de diminuição da participação do estado nos investimentos públicos em educação.
Uma delas, proposta pelo deputado federal Marcelo Crivella (PRB–RJ) estipula que estudantes com melhores condições financeiras devam pagar mensalidades nas Universidades Públicas. Dentre os argumentos a favor, está o fato de que só os ricos que pagariam pelos estudos universitários e instituições públicas, o que por sua vez poderia bancar bolsas de estudos para estudantes pobres. Além disso, argumenta-se que o estado brasileiro não tem condições bancar todas as etapas de ensino.
Porém, os argumentos contra essa tese são vários e consistentes. Dentre eles, e o principal, está no fato de que a Universidade é pública, portanto, ela deve ser gratuita para todos, simples assim. Esse direito é garantido pela nossa Constituição, no artigo 206, que determina “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais.”.
A partir desse contexto, constatamos que o problema é bem mais amplo e complexo. Não há garantias de que a cobrança no Ensino Superior Público resolva o problema da falta de verbas das instituições universitárias. Pelo contrário, medidas como essas podem gerar mais problemas, acelerando, na pior das hipóteses, o processo de desvalorização e sucateamento das Universidades Públicas.
Desse modo, o mais interessante é que os ricos pagassem mais impostos, em vez de mensalidades em Universidades públicas. E há boas razões para isso, vejamos por que. O economista Thomas Piketty, que ganhou enorme notoriedade em 2013, com a publicação do livro O capital no século XXI, realizou um grande estudo para compreender a evolução histórica da desigualdade no mundo e as suas relações com as decisões do Estado, como aquelas sobre tributação, sobre investimentos, etc.
Nesse sentido, o autor defende que a repartição de riquezas é um problema político fundamental para a estabilidade das nações democráticas modernas. Isso porque há em curso uma enorme concentração de renda no mundo, gerando cada vez mais desigualdades, pobreza e miséria no planeta.
Para reforçar essa tese, foi divulgado recentemente um relatório, as vésperas do Fórum Econômico Mundial de Davos, mostrando que a riqueza acumulada por 1% da população ultrapassa a dos outros 99% no mundo. Sendo assim, essa enorme concentração de renda tem dificultado cada vez mais a luta contra as desigualdades.
No Brasil não é diferente. Os estudos de Piketty revelaram que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Os mais ricos, uma minoria, concentram mais de 66% das riquezas do país. Essa grande concentração de renda observada hoje foi mantida durante o último século, apesar de observarmos algumas variações associadas a decisões políticas de inclusão, de distribuição de renda, como a bolsa família, por exemplo.
Apesar de ser um tema polemico, é fundamental e urgente a discussão sobre a distribuição de riquezas e a taxação de riquezas no país, por meio da cobrança de impostos sobre fortunas, que poderão contribuir para processos de desconcentração de renda e serem revertidos para o investimento em educação.
Isso demonstra como a educação e a concentração de renda se relacionam e se retroalimentam. Segundo o Professor da USP, Otaviano Helene, “quanto maior a renda familiar de uma criança ou um jovem, maior é o número de anos de estudo que terá e melhor a educação que receberá; de outro lado, quanto melhor a escolarização, maior será sua renda futura. A combinação desses dois efeitos forma um circulo vicioso que contribui para perenizar a atual desigualdade de renda no país”.

Ainda segundo Helene “O sistema educacional reproduz as desigualdades atuais e projeta-as para o futuro. Filhos de pobres serão pouco e mal escolarizados, ocuparão funções mal renumeradas e terão filhos mal escolarizados; filhos de ricos serão bem escolarizados, terão rendas mais altas e filhos melhor escolarizados”.

            Portanto, o principal instrumento para superação de desigualdades no Brasil é o maior investimento em educação. Lewis já nos deu a lição de casa: Educação não é gasto, é investimento. De fato, o governo deve investir em todos os níveis de educação, desde a básica até o Ensino Superior, oferecendo uma educação pública e de qualidade. Enfim, como bem disse o grande Paulo Freire, se a educação sozinha não muda a sociedade, sem ela tão pouco a sociedade muda.