Em
artigo publicado neste espaço, de 30 de abril de 2018, intitulado “A Democracia,
o Voto e o exercício da Cidadania”, estávamos as vésperas das eleições presidenciais e naquele momento tinha expectativas de que pudéssemos mudar o quadro político, econômico e social do qual nos encontrávamos no Brasil.
Defendia, a época, que a consciência política era fundamental dentro do processo democrático, mas alertava que somente o voto não era suficiente, era também necessário a participação política em todo o processo eleitoral, desde a escolha de nossos representantes até o acompanhamento de todo o seu trabalho parlamentar, pois como defendia o sociólogo brasileiro Herbert de Sousa: “Ou a Democracia é para todos ou então não serve para nada”.
Além disso, escrevi que a mudança era possível e necessária, mas somente com a participação popular e cidadã, pois fora da democracia, só nos restaria o autoritarismo e a barbárie. Nesse caso, prevaleceu minha previsão mais pessimista.
Ora, depois de mais de dois anos desse artigo, com o Governo Bolsonaro eleito e no poder, além de todo o retrocesso vivido pelos brasileiros nesse período, com o aumento do desemprego, da pobreza e da miséria, inclusive com uma Pandemia, que assola o país desde 26 de fevereiro desse ano, no surgimento do primeiro caso, a palavra que fica é de perplexidade, diante da postura do presidente, desde a chegada do vírus por aqui.
Nenhum dia de luto nacional. Nenhuma palavra de consolo e solidariedade com os mortos. Estamos diante de alguém que não tem empatia ou solidariedade pelos que se foram.
E não são apenas números ou estatísticas. São mais de 100.000 famílias de luto. É muita dor, são muitas lágrimas, cada óbito é uma história de vida e de amor.
Também não se tratou de uma fatalidade, foi uma tragédia anunciada, uma vez que o principal líder político da nação
chegou a negar a pandemia e boicotou as medidas de prevenção pedidas pela ciência e a medicina.
Ao mesmo tempo, travou uma guerra permanente com governadores e prefeitos, que ganharam do STF uma liminar que lhes garantia autonomia para estabelecer políticas que consideravam mais adequadas no combate ao Coronavírus, incentivando a população a não cumprir as medidas de isolamento e distanciamento social.
Se não bastasse tudo isso, ainda humilhou seus ex-ministros de Saúde, forçando a saída de todos que estiveram no cargo, tudo porque não corroboravam de suas convicções, tendo agora um general da reserva do exército na pasta.
Ainda teve o sarcasmo de dizer que “todos temos que morrer”. Sim, todos vamos morrer um dia, mas muitas dessas pessoas podiam ter se salvado com um mínimo de cuidado e interesse pela vida humana.
As famílias das vítimas não tiveram nem mesmo a oportunidade de velar e enterrar seus entes queridos como gostariam. Foi dor somada a dor. Muitos foram enterrados na calada da noite,
em valas comuns.
O silêncio cínico de um governo, com coração de pedra, aumenta ainda mais a dor das famílias enlutadas.
Vivemos num país, cujo as autoridades são incapazes de sentir responsabilidade e menos ainda empatia e dor com as vítimas de uma tragédia, ou seja, estamos chegando ao fundo do poço.
E assim como as autoridades da nação revelaram um coração endurecido com as vítimas, o mesmo fazem com relação aos médicos e enfermeiros que estão na linha de frente e sacrificam suas vidas para salvar inúmeras outras nos sistemas de saúde público e privado. Em alguns casos, foram até ofendidos e agredidos pelos negacionistas e extremistas de plantão.
Se há alguma esperança, em todo esse contexto, é que o Governo Bolsonaro foi denunciado recentemente por entidades medicas do mundo todo ao Tribunal Internacional de Haia, por omissão e crimes contra a humanidade, mais especificamente, contra as comunidades indígenas do pais.
Nesse sentido, na atual conjuntura mundial, O Brasil é, conforme relatos vindos de fora, o país que mais desprezou a Pandemia, que menos valorizou a Ciência e que mais desinformou sua população.
É fato que o Brasil precisaria ter, neste momento, um presidente capaz de detectar a dor das pessoas, mas um governo cujo vocabulário, quando não soez, está sempre carregado de negatividade (guerra, armas, ódio, inimigos, enfrentamento e ameaças) e nunca de palavras que favoreçam a convivência pacífica (paz, liberdade, diálogo, solidariedade e compaixão).
Para o azar dos brasileiros, temos no poder, nas palavras do espanhol Luís Buñuel, o “Anjo Exterminador”.
Portanto, se essa for a nossa condição, de fundo do poço, que ao menos possamos aprender com essa tragédia, enfim, que esse possa ser para os brasileiros um momento pedagógico, de aprendizagem, para que possamos aprender que o voto é algo muito sério, que a democracia de um país vale muito mais do que um projeto narcisista e autoritário de poder, como também possamos sair desse poço melhores, com sabedoria, mais conscientes e esclarecidos politicamente.