quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

A normalização da Pandemia e a ideologização do Covid-19.

Charge 1 - Site Hoje em Dia

Cléder Aparecido Santa-Fé

A Pandemia do Novo Coronavírus (Covid-19) já completou um ano em escala global. Os primeiros casos, ocorridos em Wuhan na China, datam de 1º de dezembro de 2019.

Toda a inteligência científica está engajada no combate à crise sanitária instalada e as vacinas entraram em fase final de desenvolvimento.  Em 2021, provavelmente, teremos uma forma mais eficiente de imunização coletiva contra essa moléstia.

Durante 2020, as medidas de isolamento social, uso de máscara e de higienização constante das mãos, com sabão e/ou álcool em gel, foram engendradas nas grandes mídias e pelos governos em todo mundo.

Ação Pública desarticulada e ideologização do vírus.

Charge 2 - Site Dom Total

No caso brasileiro, todavia, não ocorreu uma ação integrada entre as esferas governamentais (Federação, Estados e Municípios) e sim o estabelecimento de uma grande disputa política, com a ideologização perversa da Covid-19.

O atual governo, que se diz combatente das diversas formas de ideologizações, deu início a uma narrativa de banalização dos efeitos e mortalidade da doença. 

Ao ideologizar o vírus e trazer a crise sanitária para uma disputa política, o governo federal promoveu um boicote massivo a todas as medidas preventivas de transmissão da doença (isolamento social, uso de máscara em espaços públicos e privados, etc.).

Estamos no último mês de 2020 e já foram registrados no Brasil, até a data desse artigo, aproximadamente 6,6 milhões de infectados e 178 mil mortos. O vírus ainda continua em circulação: até hoje, 09 de dezembro, tivemos uma média semanal de aproximadamente 42 mil novos casos da doença e de 600 novas fatalidades.

Normalidade Forjada

Charge 3 - Site ND+

Em contrapartida, a vida cotidiana aparenta ter voltado à normalidade. Os setores produtivos e de serviços estão em pleno funcionamento.

Os setores do turismo e do entretenimento também estão voltando, aos poucos, às suas atividades. A grande mídia mudou a sua agenda informativa: a hashtag #fiqueemcasa foi substituída pelas hashtags #flexibilizacao, #voltaasaulaspresenciais, e outras correlatas.

A população relaxou nos protocolos de segurança e voltou a circular nas ruas, promover encontros com amigos e familiares, etc.

Verifica-se, no país, a possibilidade de uma segunda onda de casos da doença ainda nesse ano.  Em suma, a narrativa ideológica do governo federal sagrou-se vencedora a médio prazo. O que explica tal fenômeno?

Polarização e Tribalismo político

Charge 4 - Site Zero Hora 

        É claro que não há uma resposta única, porém há alguns diagnósticos presentes no embate político das últimas décadas. A descrença na ciência e na educação como instituições basilares do conhecimento é um, dos principais fatores, que nos auxilia a compreender esse fenômeno.

Outra questão fundamental advém da ausência de uma cultura política qualificada no cotidiano social brasileiro, focada na construção de políticas públicas de longo alcance junto à sociedade civil e outros atores importantes do regime democrático.

A “cidadania” tupiniquim é medida pelo termômetro das redes sociais. Vivenciamos uma disputa tribal e infecunda nesses espaços, oriunda de uma polarização que não enxerga além do lulopetismo e do bolsonarismo.

Essa visão restrita e maniqueísta da coisa pública acaba por favorecer ainda mais uma cultura política pautada na figura do líder carismático, emprestando um conceito sociológico de  Max Weber para melhor exemplificar a minha perspectiva.

Desta forma, a racionalidade ausenta-se do debate e acaba por prevalecer a barbárie das paixões político-partidárias.

Portanto, a constituição de uma nova cultura política pautada no ouvir e na construção coletiva do dialogo urge.

Deixarei uma composição de minha autoria e meu irmão, Coca Nietzschiano, sobre esse tema, estabelecendo-se como uma crônica social do Brasil em 2020. Espero que gostem.


Demência (Cléder-X/ Coca Santa Fé)

A demência do discurso
Desconsidera salvar vidas.
A demência das chamas
Carboniza o verde, os animais.

A demência opressora que
Se maquia de livre arbítrio.
A demência das opiniões que
Se prolifera em metadados.

A demência viral
Clamando por normalidade.
A demência é negligência,
Enojando o consenso,
Burlando as regras.

A demência usurpa o debate,
Transmuta a mentira em verdade.
A demência conserva em si
A sua própria incoerência.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

O que diz a Constituição Federal de 1988 sobre o dever do Estado e a Educação Infantil?

Foto 1: Ideia Pedagógica

Giovanna Maria Recco Piccirilli

    A educação infantil é reconhecida como a primeira etapa da educação básica. Quando a relacionamos ao neoliberalismo, observamos que tal concepção de Estado provém de uma ação descentralizadora, de transferência das ações de políticas sociais para a sociedade e pressupõe que a privatização dos serviços públicos seja a melhor alternativa. Ora, a escola é tão importante quanto o capital. É preciso lutar pela e para a escola pública, não para a escola capitalista e burguesa. Vemos alterações em leis e na Constituição, mas pergunto se o ordenamento jurídico estabelece suas funções e obrigações tão bem quanto estão descritas no papel. A CF/88 em sua primeira versão, excluía a educação às crianças menores de quatro anos, embora conste na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 4º[1], inciso II, atendimento gratuito em creche e pré-escola para crianças de até cinco anos de idade.


    A modificação da criança abstrata para a criança concreta, ou seja, a criança da classe trabalhadora, nos recorda à pesquisa iconográfica sobre seu papel social abordado por Philippe Ariès na obra História Social da Criança e da Família (1978), que analisa o pequeno à imagem de um homem em miniatura (anões) e aborda que o papel de crianças negras pequenas, era o de trabalhar em casarões como brinquedos das crianças ricas, e as mais velhas, aprendiam o trabalho braçal (meninos eram treinados para a lavoura, e meninas para trabalhos do lar).


    Há recortes históricos que analisam toda linha do tempo que o pequeno jovem sofreu na sociedade. Observamos, consideravelmente, que ele passou a conceber seu papel social há pouco tempo, assim como as leis que garantem segurança e direitos a elas. 


  Esta reflexão nos remonta a um questionamento: porque existem tantas leis que asseguram e prometem vigorar tais premissas, tantas obrigações do Estado, mas pouca efetividade na execução das tarefas?

     A Constituição Federal de 1988, afirma no art. 208 que:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I -  educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;

II -  progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III -  atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV -  educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;

V -  acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI -  oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII -  atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

     Assim como em seus parágrafos:

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular,

importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

 

     A responsabilidade por garantir e oferecer educação, que é um direito de todos, é compartilhada pelo Estado, pela família e por toda a sociedade. Cury (2008) afirma que a LDB, além de introduzir o conceito de “educação básica”, surge para assegurar ainda mais o acesso a esse direito – a educação escolar é pública, de caráter próprio e cidadã, ou seja, dever do Estado. Essa responsabilidade está determinada no artigo 205[2] da CF, acrescentando a sociedade como corresponsável por assegurar a garantia do que está estabelecido supracitado, no dever de se organizar de forma a ministrar o ensino com base nos princípios de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.

 

Referências

ARIÈS, P. História social da infância e da família. Tradução: D. Flaksman. Rio de Janeiro: LCT, 1978.

BRASIL. Constituição da República Federal (1988). Acesso em 30 nov. 2020. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.

CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação básica como direito. Cadernos de Pesquisa, v. 38, n. 134, p. 293-3030, maio/ago. 2008. Acesso em 30 nov. 2020. Disponível em: < https://www.scielo.br/pdf/cp/v38n134/a0238134.pdf> .

Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (1996, 23 de dezembro). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da Uniãoseção 1. Acesso em 30 de nov. de 2020. Disponível em: < http://www.cp2.g12.br/alunos/leis/lei_diretrizes_bases.htm>.

SILVA, Luiz Henrique Gomes da; STRANG, Bernadete de Lourdes Streisky. A obrigatoriedade da educação infantil e a escassez de vagas em creches e estabelecimentos similares. Pro-Posições, v.31, 2020. Acesso em 19 de nov. de 2020. Disponível em: < https://www.scielo.br/pdf/pp/v31/1980-6248-pp-31-e20160069.pdf>.



[1] Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio (BRASIL, 1996).

[2] Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

 

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Anchieta ou Freire?

Foto 1: Nei Alberto Pies (neipies.com)

Giovanna Maria Recco Piccirilli 

José de Anchieta ou Paulo Freire? O desastre histórico perpetuado hoje, nos leva a uma perda de tempo nacional. Enquanto deveria, de modo objetivo, concretizar debates acerca de projetos de educação no Brasil, reagimos a todos instante a ameaças à democracia. 

A proposta da extrema direita do governo atual é trocar Paulo Freire por José de Anchieta, como fundador e patrono da educação. São doses cavaletes de fascismo, e quem seríamos nós para aceitar essa má fé, essa absurda distorção valores envoltos à golpes ideológicos? 

A esquerda no Brasil, deve aproveitar a oportunidade para exercer uma autocrítica. É necessário estudar Paulo Freire e os jesuítas, com embasamento histórico-filosófico. 

Os jesuítas são distorcidos historicamente como apenas catequizadores de índios e por assim descrever, é ignorada toda internacionalização que havia nos colégios jesuítas, com mestres oriundos de diferentes nacionalidades e o estudo aprofundado às artes, na filosofia e nas ciências. 

A modificação do ensino para as Aulas Régias no período pombalino, jamais contavam com professores que estivessem à altura do sistema jesuíta, então banido. 
Freire, em a Pedagogia do Oprimido remete o processo educacional à condição dialógica, ou seja, escutar de fato o indivíduo - as massas populares são oprimidas para a conquista do opressor. A injeção cultural exposta pelo autor, corresponde sem perda epistemológica, definida pela Escola de Frankfurt, melhor dizendo, toda indústria é fruto de cultura, é a forma de invasão cultural. Por assim dizer, reduz a uma imposição "antidialógica".

Paulo Freire é um problema para a mente fascista porque se trata (para eles) de um "marxista influente". É visível que ninguém do atual governo possui conhecimento de suas obras, se torna assim impossível discutir ou confrontar o patronato na educação brasileira. De certo, Anchieta também é desconhecido e não sabem que sua trajetória jesuítica transcendeu a uma mera catequização de "índios".

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Resenha do Fragmento "Tempo e Poder" do Livro Tempo: Entre o efêmero e o Eterno, a Vida de Valdermir Pires.

Foto 1 - Site da obra Tempo: Entre o efêmero e o Eterno, a Vida. - Valdermir Pires

Cléder Aparecido Santa-Fé
casantafe83@gmail.com

Ao ler o fragmento “Tempo e Poder” (acesse o texto completo -->> aqui), de autoria do Professor Valdemir Pires, acolhi definitivamente a ideia de tempo como um fenômeno infindo, transitório, independente e soberano.

Ao narrar, neste instigante fragmento, as ascensões e quedas de inúmeros regimes políticos, de sistemas democráticos à tirânicos, Pires constata a fragilidade humana ao engendrar e acreditar na perpetuação do status quo.

O tempo evidencia toda a nossa fragilidade (de opressores e de oprimidos), como muito bem pontuado no fragmento, uma vez que “todo governo é passageiro, por maior que seja a prorrogação que consiga obter, por meio da conquista da simpatia dos governados ou por meio da supressão da possibilidade destes de a ele se oporem” (Pires, 2020).

Neste sentido, toda tentativa de totalitarismo, mesmo que aparentemente eterno em nossa percepção temporal, haverá de ruir à soberania de Cronos.

Ao observar, numa perspectiva de crônica, a atual situação política mundial e brasileira, escrevi a canção “Nos Dias de Hoje” (letra e link disponíveis após esse texto), que relata, como forma de denúncia, os descalabros engendrados por grupos totalitários na busca da perpetuação do seu capital político, assim como silenciar toda manifestação legítima que busque superar a dicotomia polarizada, imposta nas atuais narrativas ideológicas em voga.

Porém, após a leitura do fragmento, a esperança, combinada com boas doses de reencantamentos, ocupam agora as minhas reflexões, uma vez que, como já muito bem pontuado por Chico Buarque, “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”.

Uma boa leitura a todos!


NOS DIAS DE HOJE (CLÉDER-X)

O nosso senso regride a cada minuto perdido, 

Em palavras vazias,
Informações e mentiras.

A falta de consenso reprime
A ciência e a cultura;
O império da ignorância
Vociferado por boçais.

O silêncio da razão:
A apoteose do entretenimento...
Um vazio totalitário
Que ameaça o livre pensamento.

A censura do contraditório,
A negação da liberdade...
Nos dias de hoje
É o decrépito e o caos.

sábado, 19 de setembro de 2020

E a formação inicial de professores vai bem?

Foto 1 - A Voz da Serra

Ana Paula Silveira

2020, o ano que ficará marcado na vida de todos, como sendo um ano de novos desafios e de extremo negacionismo frente ao cenário pandêmico, que por sua vez intensificou o uso das mídias digitais ao desenvolvimento cognitivo desde a educação infantil a pós-graduação. Porém o uso ininterrupto das mídias digitais na educação evidenciou as lacunas sociais. 

Para muitos indivíduos o acesso à educação, enquanto direito fundamental, não está ocorrendo de modo qualitativo, usufruir desse direito, por vários motivos, invalida o que fora cunhado na Constituição de 1988, pois as ausências de computadores, celulares, internet de qualidades entre outros motivos não permite que haja a garantia da educação igualitária e de qualidade a todos.

Temos que reconhecer que os cursos on-line, seminários, congressos estão proporcionando encontros memoráveis entre educadores de escolas públicas e pesquisadores das grandes universidades brasileiras, mas ressalto que: será que todos estão dispostos a ouvir, interiorizar e agir, de modo crítico, a partir das discussões, ressaltadas nessas aulas, palestras, lives e etc.? Será que os professores da educação básica, tem a possibilidade de modificar suas práticas docentes e transformar a educação? Será que os professores da Educação Básica são apenas treinados para reproduzir uma educação bancária? Como estão nossos cursos de licenciaturas?

Vou mais além, será que os professores não estão sendo usados por instancias maiores, para atestar a inabilidade da educação pública de qualidade, para então assistirmos a privatização da educação em todas as modalidades e deixar a educação, de ser um direito fundamental.

Na obra Pedagogia do Oprimido, escrita por Paulo Freire, na década de 1980, apresentou a pedagogia da práxis, que é a possibilidade de professores e estudantes refletirem e agirem criticamente. Nesse sentido os professores foram convidados a desenvolver práticas docentes que valorizem as experiências, os conhecimentos prévios dos estudantes, para romper com os ciclos de opressão que está empregando na nossa educação.

O que precisamos para romper com os ciclos de opressão? Precisamos de cursos de licenciaturas de excelência, cursos que oferecerão uma formação crítica, que ensinem aos futuros professores olhar e reconhecer-se no Outro. 

Além disso nesses cursos ditos aqui de excelência, deve-se ensinar que todos fazemos parte de uma sociedade, pois nós humanos somos seres com suas especificidades, porém fazemos partes de uma coletividade, que precisa unir-se para reconhecer suas liberdades e lutarmos pela permanência dos nossos direitos fundamentais que com o passar dos anos estão sendo ceifados.

Então a liberdade frente ao ciclo de opressão aconteceria em comunhão como disse Paulo Freire: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”, para isso todos os profissionais da educação, familiares e sociedade civil precisam estar engajados na luta pela liberdade.  

Os cursos de licenciaturas precisam mostrar aos futuros professores que o ciclo de opressão precisa ser rompido e isso não acontecerá de modo isolado, os futuros professores e profissionais da educação precisam compreender que a transformação acontecerá com uma pedagogia da práxis, bem desenvolvida, mas para isso esses profissionais precisam do apoio social, infelizmente aos professores recaem a accountability, são cobrados, precisam fornecer os melhores desempenhos pedagógicos. 

Os professores precisam ser reconhecidos como heróis em meio ao caos, estão com nós a possibilidade de transformação quando oferecemos aos estudantes ensinamentos críticos, os professores precisam ser valorizados por todos. Somente com a pedagogia da práxis nos cursos de licenciatura, somente com a pedagogia da práxis das escolas públicas, somente com a valorização dos profissionais da educação, somente com a comunhão frente a luta de rompimento do ciclo de opressão, teremos o direito fundamental à educação de qualidade a todos os indivíduos. 

Pode até parecer utópico frente ao nosso cenário atual, mas se os professores apenas reproduzir esse sistema opressor e virar a página da apostila para continuar as atividades, sem complexidades, sem criticidade, sem inferências, vamos terminar essa apostila e encerrar a nossa história.

Abusadores do Direito e da vida humana.

Foto 1: Sara Próton – Jus Brasil

Vinício Carrilho Martinez 

Nosso desafio será adequar a linguagem, além de abraçar um tema espinhoso, por si: o aborto legal patrocinado às meninas e mulheres, engravidadas, em ato de estupro. Não é fácil, ainda mais pelo estágio animalesco que vivemos na cultura nacional. Enfim, de forma resumida, meu argumento garante que “ninguém é obrigado a ser estuprado(a)”. A natureza jurídica desse argumento consta de previsão no Código Penal: 

“Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54) 
Aborto necessário 
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; 
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro 
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. 

Por decisão do Supremo Tribunal Federal, casos de anencefalia também receberiam autorização para a prática de aborto legal (ADPF 54). Meu argumento, sumariamente, resume-se a um pressuposto do Processo Civilizatório – no caso, o não-retrocesso: não é razoável obrigar a prosseguir a gravidez em nenhum desses casos ante a autonomia da vontade, do direito ao corpo e da dignidade e saúde da mulher. Principalmente sob violência extrema contra indefeso: crianças e jovens. O Direito penal não pode ser a “prima ratio” que defende o homem violador, violento e estuprador. A mulher não pode ser punida duas vezes, se é que temos algum raciocínio lógico a usufruir: punida no estupro e, depois, pelo aborto de um feto que resultou desse estupro. Obviamente, sendo punida pelo aborto que resulta de estupro, a mulher seria punida por algo que não escolheu. 

Vejamos, ainda, que são centenas ou milhares de crianças e mulheres estupradas e que engravidam em razão desse gravíssimo crime. Pois bem, se a criança estuprada (a exemplo daquele caso do Espírito Santo) é obrigada a ter o bebê, por óbvio, ocorre a legitimação do estupro. 

Bem como a criança é condenada a manter, em si, o resultado de um crime grave contra seu corpo, sua psiquê, anulando-se sua própria vida. Desse modo, com o estupro legitimado, a criança receberia a condenação pelo crime de outrem: sobretudo, agravado, porque se entende que o seu algoz é alguém que deveria protegê-la, na condição de parentes, pais e tios, primos e irmãos. 

A se legitimar este “duplo crime” – estupro e imposição da gravidez resultante desse estupro, sob a ameaça de se condenar a “mãe-criança” por aborto –, logo, alguém haveria de defender um tal “direito de estuprar ... quem quer que fosse”. 

Além de se impor “outra” obrigação à vítima de estupro: “a obrigação de ser estuprado(a)”. A todo Direito corresponde uma obrigação: juridicamente, a obrigação de fazer do Estado e da família, proteger mulheres, jovens e crianças, acabaria (em retrocesso) convertendo-se no tal direito ao estupro: em que a violação de um direito fundamental, essencial, como é a vida de mulheres, jovens e crianças, seria apregoado como direito do macho violento e violentador.

Com certeza, neste caso, abandonaríamos todo e qualquer raciocínio jurídico civilizado, com base no Direito Ocidental que vem se instituindo desde o Renascimento. O resultado mais óbvio, desse retrocesso nos padrões civilizatórios, aponta que em pouco tempo teríamos uma sociedade de canibais: walking dead.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Educação Antifascista

Foto 1 – Pragmatismo Político

Giovanna Maria Recco Piccirilli

Partindo da concepção de que nossa história foi construída dentro de características autoritaristas e inerente à autocracia. Uma história autoritária com hiatos de democracia que, infelizmente foi constituída em cima do fascismo, racismo e necrofascismo. O fascismo é um fenômeno inerente ao capitalismo e não deve ser confundido com o autoritarismo – um regime de força que sempre existiu em diferentes sociedades. Na obra “O que é fascismo? E outros ensaios”, Orwell fala de política, sociedade, hipocrisia, cultura, literatura, filmes, moral e procura teorizar sobre alguns rumos que o mundo tomaria após a II Guerra Mundial. Apesar do nome da obra, o livro não trata exclusivamente, ou tem um foco maior, nos movimentos fascistas da Europa do século XX. Os textos escolhidos, em sua maior parte, falam mais do fenômeno do totalitarismo, do comunismo, dos movimentos revolucionários e seus males, do que tem um foco direto no fascismo. De fato, apesar do título, não existe um único artigo presente na obra que defina o que é o fascismo. O autor se preocupa, muito mais, com o problema do totalitarismo e de como a ideologia política pode cegar ou nublar a moralidade, sanidade e a visão de mundo de um Homem.

Ao longo do século XX junto à crise do capitalismo (1929), surge este ato destrutivo que foi acionado durante a crise e à subversão da ordem capitalista; não é simplesmente um governo autoritário, mas sim um estado de terror do capital que aparece quando há ameaça de subversão, ou seja, revolucionária. O impacto da crise em meados de 1920 a 1930 disgregou o sistema capitalista e nos trouxe a necessidade de instalar regimes de terror como o fascismo. Foi nesta conjuntura que se deu a 1ª Revolução Socialista bem sucedida, denominada esta Revolução Russa de 1917 conseguindo manter o poder depois de construir um estado socialista. 

Vivemos hoje um descrédito à democracia e à liberdade. Este cesarismo é caracterizado pelo regime de controle de massas – se tiver um líder para pensar a vida em sociedade e a nação, seria melhor, expondo assim que a democracia não é válida. Ele não nasce com a burguesia, mas sim com as classes médias que, volatizadas, caem o padrão de vida e procuram um padrão de força para se reerguer, com a necessidade contra revolucionária. Existe outra crítica, mas dessa vez sobre um filme antifascista. O Grande Ditador, estrelando Charles Chaplin, é analisado em suas virtudes e defeitos, com acentuação no fato de que a trama da película se trata, no fim, do contraste entre um homem comum com o mundo dos professores, dos intelectuais – estes que podem, com muita facilidade, defender qualquer regime totalitário: algo comum em qualquer faculdade de humanas ontem e hoje. Para Orwell, o filme pode mostrar a cisão do mundo político e fascista para com a população mais humilde, que sabe o que é certo e errado.

Será que o fascismo se manifesta na periferia do capitalismo da mesma forma que nos países centrais? Nestes países, vemos peculiaridades de ultranacionalismo. A ditadura brasileira foi fascista porque seguia o regime de alavancar o terror do capital para se evitar uma transformação antirrevolucionária. Historicamente, a escola tem um legado vindo desde a Revolução Francesa – do estado nacional burguês e a valorização das ideias iluministas. Na Alemanha Nazista e na Itália Nazista as crianças eram entregues desde cedo ao Estado, no sentido da construção de uma consciência fascista ainda jovem. 

A escola é um espaço de libertação e produto de expansão dos direitos, deve ser entendida como possibilidade concreta de que essa expansão se conclui a partir da democratização e melhoria da instituição. Deve ser cuidada e defendida. Não é casual que o fascismo histórico seja direcionado seu ponto alvo à escola. Ela para o fascista é doutrinação e acusada de doutrinar para o lado errado, o que Hitler fez, o que Mussolini fez e o que outros fascistas querem. Além de ser um espaço de socializar conhecimentos e levá-los ao questionamento (ser crítico) este é o grande problema para a mente fascista. 

A Escola Sem Partido não era a doutrinação, mas sim porque a escola formava pessoas questionadoras. O espaço escolar é lugar de disputa. Paulo Freire apontou uma crítica de emancipação a partir do ato político da práxis revolucionária. A Política Educacional no período do fascismo foi constituída por vários outros órgãos estatais a respeito do conteúdo das aulas e dos livros didáticos aceitáveis para uso em escolas primárias e secundárias do país como o Ministro da Instrução Pública do Reino da Itália entre 1922 e 1925, Giovanni Gentile e o Ministério da Educação liderado por Bernhard Rust, ambos de controle para com o professor. Os governos temem aos professores porque têm medo de que façam de seus alunos seres críticos e uma pessoa que pensa, pode prejudicar. 

Entretanto, ressalvo que a escola não cabe na gramática do fascismo e do nazismo, e o professor deve de certa forma ser encurralado, baseando-se na recuperação onde a dimensão do conhecimento desapareça. As grandes vítimas do fascismo são aquelas que têm conhecimento, portanto os professores são os primeiros a serem atacados. Na Alemanha, os educadores foram exilados e mandados para campos de concentração e essa luta antifascista é a luta pela liberdade, contra o machismo, sexismo, capital e toda autoridade.

Nenhum governo combate o fascismo até o final porque quando se sentir coagido, recorrerá ao fascismo ou a meios fascistas. Não há uma onda fascista que busca se instalar no Brasil e no mundo, em grande medida, essa ameaça existe e já está instalada às bênçãos da democracia e da livre competição. Chegamos ao nível de não distinção de desejos de morte e aos dispositivos de extermínio.  



terça-feira, 18 de agosto de 2020

Resenha: "Quarto de Despejo - Diário de uma Favelada" de Carolina Maria de Jesus

Convite de Leitura e de Reflexão


LIVRO: QUARTO DE DESPEJO - DIÁRIO DE UMA FAVELADA 
ESCRITORA: CAROLINA MARIA DE JESUS 

Adriana Maria Silva
Ana Paula Silveira 

Quarto de despejo é um livro publicado em agosto de 1960, e a obra é a união de mais de 20 diários escrito por Carolina Maria de Jesus, mulher negra, guerreira, mãe solteira, moradora da favela Canindé, criou seus filhos com seu suor e sua força. 

Quarto de despejo é um livro que conta através das vivencias de Carolina, o que é a favela e principalmente como é morar lá. 

Em seus diários, Carolina, acha forças para discorrer como são seus dias de trabalho, recolhendo reciclagem na cidade de São Paulo, para chegar ao final do dia e tentar conseguir algo para dar de comer aos filhos. 

Esses diários foram escritos entre 15 de julho de 1955 e 1 de janeiro de 1960. Aqui Carolina nos revela uma mãe que mesmo esgotada, cansada de tudo, ainda encontra forças para seguir por seus filhos. 

“Saí indisposta, com vontade de deitar. Mas, o pobre não repousa. Não tem o previlegio de gosar descanço. Eu estava nervosa interiormente, ia maldizendo a sorte. Catei dois sacos de papel. Depois retornei, catei uns ferros, uma latas, e lenha.” 

Carolina, estudou até o segundo ano (primário), porém, muito autodidata conseguia nos transmitir um texto poético e cheio de sentimento (muito triste e real). 

"Tenho apenas dois anos de grupo escolar, mas procurei formar o meu carater" 

Lendo quarto de despejo, certamente muitos sentimentos vem à tona, um misto de tristeza, revolta, vontade de fazer algo para que toda aquela dura rotina não estivesse em cena. 

Carolina, chega a citar que a fome tem cor, e que seria amarela. Essas passagens são muito difíceis de ler. Muitas vezes ela busca por doações ou recolhe coisas do lixo. 

São cenas fortes que passa pela imaginação do leitor, muitas vezes chega a ser como soco no estomago. 

“A tontura do álcool nos impede de cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago.” 

Enfim, um livro em que encontramos uma mulher batalhadora que além de passar fome, lutava, como uma leoa, para tentar dar que seja um pão aos filhos, para não os ver morrerem de fome. 

Temos aqui relato de sobrevivência, força, coragem, fé e muita luta. Luta contra a miséria, a fome e a falta de apoio que infelizmente muitas mulheres enfrentam sozinhas até os dias atuais. 

Devemos impedir o despejo dos nossos direitos fundamentais, devemos lutar contra o negacionismo que vivemos, lutar contra um governo que destrói, que nos despeja diariamente. Mulheres, pretos, homossexuais, crianças são despejadas, por meio de “comentários”, legislações e ações, o despejo não é só físico, ele é social, ele é cultural. 

A fome tem cor, a dor tem cor, o despejo também tem cor, essa cor pode ser representada por sentimentos na atual sociedade brasileira o “ódio” ganhou forças, se perfaz as cores, se alguém perguntar qual a cor da fome, qual a cor do negacionismo? Meu car@ todas as cores, mas se existe algo, além das cores, então posso dizer que o ódio... a cor universal do presente momento e talvez do que viveu a Carolina de Jesus. 

Frente a isso fica o convite para leitura dessa grande obra!

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Ser feminista ou ser "feminazi”?

 

Foto 1 – Feminismo – Imagem de Stoodi (jul, 2020).

Giovanna Maria Recco Piccirilli

Comparar duas linhas tão opostas de pensamentos como o feminismo e o nazismo é proveniente de alguém que não tenha o mínimo de cognição, interesse ou conhecimento.

Sabemos, historicamente falando, que o nazismo foi terrivelmente opressor e de desprezo à liberdade que serviu de intolerâncias a um universo desigual, apontando severamente seu "descontentamento" e práticas de ódio ao racismo, sexismo e misoginia, e de certa forma, idolatria ao machismo.

Na história da opressão, vemos que os líderes de tais grupos foram todos formados por homens - na Itália, Mussolini e Hitler, na Alemanha - nomes que ao serem citados nos causa pânico.

Vejamos: ser uma feminazi é ser um machista contemporâneo (o que não cabe ao termo feminismo, visto que seria o ódio de mulheres por mulheres.

Contraditório, se entender que o feminismo se trata de amor ao próximo, às lutas históricas, à liberdade e igualdade. Dois termos extremamente distintos que, inviavelmente tenham se associado e tornado o feminismo tão mal visto perante a sociedade moderna.

Até porque, além do regime nazista ter sido imensamente horroroso, se trata de uma comparação maldosa e irracional, pela qual compara-se o homicídio em massa com a luta por um ideal.

Enquanto o feminismo defende uma reestruturação social justa entre homens e mulheres, o nazismo segregou, humilhou, torturou e matou milhões dentro de um regime autoritário.

Portanto, torna-se claro que ambas realidades estão anos-luz de diferença uma da outra. Chamar alguém de feminazi é altamente ofensivo e desapropriado.
Então pare!  Deixe o mundo ser livre da opressão, deixe o diálogo ser livre de agressão, deixe as feministas lutarem por nossos direitos equânimes, sem termos caóticos e repugnantes.

Dê lugar a paz e não ao ódio, para assim seguirmos essa luta justa em busca de uma democracia real, perseverando até que toda repressão seja eliminada.

 


domingo, 16 de agosto de 2020

O fundo do poço

Foto 1 - Fundo do Poço - Imagem de freestocks-photos por Pixabay


Fábio Augusto da Silva Lima 


“Caímos dentro de um poço; temos que sair dele com sabedoria. ” - Provérbio Chinês

 

Em artigo publicado neste espaço, de 30 de abril de 2018, intitulado “A Democracia, o Voto e o exercício da Cidadania”, estávamos as vésperas das eleições presidenciais e naquele momento tinha expectativas de que pudéssemos mudar o quadro político, econômico e social do qual nos encontrávamos no Brasil.

Defendia, a época, que a consciência política era fundamental dentro do processo democrático, mas alertava que somente o voto não era suficiente, era também necessário a participação política em todo o processo eleitoral, desde a escolha de nossos representantes até o acompanhamento de todo o seu trabalho parlamentar, pois como defendia o sociólogo brasileiro Herbert de Sousa: “Ou a Democracia é para todos ou então não serve para nada”.

Além disso, escrevi que a mudança era possível e necessária, mas somente com a participação popular e cidadã, pois fora da democracia, só nos restaria o autoritarismo e a barbárie. Nesse caso, prevaleceu minha previsão mais pessimista.

Ora, depois de mais de dois anos desse artigo, com o Governo Bolsonaro eleito e no poder, além de todo o retrocesso vivido pelos brasileiros nesse período, com o aumento do desemprego, da pobreza e da miséria, inclusive com uma Pandemia, que assola o país desde 26 de fevereiro desse ano, no surgimento do primeiro caso, a palavra que fica é de perplexidade, diante da postura do presidente, desde a chegada do vírus por aqui.

O Brasil já perdeu mais de 100.000 pessoas, vítimas do Coronavírus, e o Governo de Jair Bolsonaro não é capaz de lamentar por essas vidas perdidas.

Nenhum dia de luto nacional. Nenhuma palavra de consolo e solidariedade com os mortos. Estamos diante de alguém que não tem empatia ou solidariedade pelos que se foram.

E não são apenas números ou estatísticas. São mais de 100.000 famílias de luto. É muita dor, são muitas lágrimas, cada óbito é uma história de vida e de amor.

Também não se tratou de uma fatalidade, foi uma tragédia anunciada, uma vez que o principal líder político da nação chegou a negar a pandemia e boicotou as medidas de prevenção pedidas pela ciência e a medicina.

Ao mesmo tempo, travou uma guerra permanente com governadores e prefeitos, que ganharam do STF uma liminar que lhes garantia autonomia para estabelecer políticas que consideravam mais adequadas no combate ao Coronavírus, incentivando a população a não cumprir as medidas de isolamento e distanciamento social.

Se não bastasse tudo isso, ainda humilhou seus ex-ministros de Saúde, forçando a saída de todos que estiveram no cargo, tudo porque não corroboravam de suas convicções, tendo agora um general da reserva do exército na pasta.

Ainda teve o sarcasmo de dizer que “todos temos que morrer”. Sim, todos vamos morrer um dia, mas muitas dessas pessoas podiam ter se salvado com um mínimo de cuidado e interesse pela vida humana.

As famílias das vítimas não tiveram nem mesmo a oportunidade de velar e enterrar seus entes queridos como gostariam. Foi dor somada a dor. Muitos foram enterrados na calada da noite, em valas comuns.

O silêncio cínico de um governo, com coração de pedra, aumenta ainda mais a dor das famílias enlutadas.

Vivemos num país, cujo as autoridades são incapazes de sentir responsabilidade e menos ainda empatia e dor com as vítimas de uma tragédia, ou seja, estamos chegando ao fundo do poço.

E a tragédia do Coronavírus no Brasil não acabou e ainda pode ceifar muitas vidas. Ao que tudo indica, infelizmente ainda teremos muitas vítimas da Covid-19.

E assim como as autoridades da nação revelaram um coração endurecido com as vítimas, o mesmo fazem com relação aos médicos e enfermeiros que estão na linha de frente e sacrificam suas vidas para salvar inúmeras outras nos sistemas de saúde público e privado. Em alguns casos, foram até ofendidos e agredidos pelos negacionistas e extremistas de plantão.

Se há alguma esperança, em todo esse contexto, é que o Governo Bolsonaro foi denunciado recentemente por entidades medicas do mundo todo ao Tribunal Internacional de Haia, por omissão e crimes contra a humanidade, mais especificamente, contra as comunidades indígenas do pais. 

Nesse sentido, na atual conjuntura mundial, O Brasil é, conforme relatos vindos de fora, o país que mais desprezou a Pandemia, que menos valorizou a Ciência e que mais desinformou sua população.

É fato que o Brasil precisaria ter, neste momento, um presidente capaz de detectar a dor das pessoas, mas um governo cujo vocabulário, quando não soez, está sempre carregado de negatividade (guerra, armas, ódio, inimigos, enfrentamento e ameaças) e nunca de palavras que favoreçam a convivência pacífica (paz, liberdade, diálogo, solidariedade e compaixão).

Para o azar dos brasileiros, temos no poder, nas palavras do espanhol Luís Buñuel, o “Anjo Exterminador”.

Portanto, se essa for a nossa condição, de fundo do poço, que ao menos possamos aprender com essa tragédia, enfim, que esse possa ser para os brasileiros um momento pedagógico, de aprendizagem, para que possamos aprender que o voto é algo muito sério, que a democracia de um país vale muito mais do que um projeto narcisista e autoritário de poder, como também possamos sair desse poço melhores, com sabedoria, mais conscientes e esclarecidos politicamente.

domingo, 2 de agosto de 2020

Interpretação Hermenêutica dos Direitos Humanos

Fotografia 1 - Fonte: Brasil Escola-UOL

Vinício Carrilho Martinez.

• Considerando-se que não sabemos diferenciar um Estado de um Governo, desconsiderando-se a Constituição em sua forma político-jurídica, que não se sabe diferenciar Direito de lei, e as críticas de “falibidade constitucional” são, em verdade, críticas da Realpolitik.

• Considerando-se que se confunde análise epistemológica e nomológica (constitucional) com críticas à forma-Estado, sendo que nem se trata do Estado de Direito Democrático.

• Considerando-se que o Poder Político atual é o antípoda da CF88, e jamais seu prolongamento.

• Considerando-se que não se pode criticar um objeto pelo lado de fora, sem conhecer de fato sua essência, a crítica apressada se limita a um empiriocriticismo.

Consideramos essencial conhecer a Constituição Federal de 1988, a forma-Estado ali definida como Estado de Direito Democrático – e que é o oposto do praticado a partir, pelo menos, de 2016 – e seu corolário de liberdades, direitos e garantias, a fim de que se mergulhe no Objeto Constitucional (real) e não se propague ainda mais o empiriocriticismo.

Consideramos fundamental rechaçar a crítica baseada na superfície de um “objeto esvoaçante”, em que se falseia (ideologicamente) uma crítica constitucional, como se a própria CF88 houvesse criado a opressão capitalista e o Fascismo Nacional.

Consideramos que se desconhece a História Constitucional que sustenta a CF88 e sua própria herança político-constitucional, que remonta à Constituição Espanhola e Portuguesa, além da Revolução dos Cravos e da luta espanhola contra o franquismo.

Consideramos que se apresse uma suposta crítica marxista, em que a forma-Estado capitalista – sempre opressiva – não seria diferenciada tanto no Estado de Direito Democrático quanto sob o Fascismo Nacional. Entretanto, não é isso que se verá nesta análise, especificamente porque não é desse modo que a realidade se apresenta e nos bastaria consultar alguns anos de história política.

Ao que, ainda se acrescenta, não se tratar de uma crítica política que se sustente em qualquer aprofundamento de Hermenêutica Constitucional. Aliás, neste ponto, alinham-se as críticas de uma parcela da esquerda (reducionista) e da direita ou extrema direita (sectárias). Em suma, confunde-se forma-Estado capitalista, sob o Fascismo Nacional, e se ataca a Constituição não em seu objeto, mas sim construindo-se uma “crítica fora do lugar” – de tempo e espaço – e em torno de um suposto “objeto esvoaçante”.

Desafia-se, assim, quem possa demonstrar que a Carta Política de 1988 guarda em si os germes da opressão, da autocracia e da repressão fascista, salvo a péssima escrita do art. 142: e mesmo este deve ser lido de acordo com o Princípio da Unidade Constitucional. Isto é, um artigo mal escrito – com brechas autoritárias de tomada de poder – não autoriza a desconsideração constitucional no seu cerne e Objeto Constitucional: desconcentração e descentralização do poder, autonomia, emancipação, participação, reconhecimento dos Direitos Humanos Fundamentais, do Princípios da Dignidade Humana e do Princípio da Corresponsabilidade Social.

A CF88 alinha-se ao Processo Civilizatório. Não se atentar a isto, é sinônimo de desconhecimento em leitura preliminar da Carta Política.